terça-feira, 24 de novembro de 2015

O Desapego


O Desapego

Em nossa vida, vamos acumulando tantas coisas, e não só lembrança não, é "troçalheira"  mesmo. O apego, embora se revele como ambição do prazer pelo ter, nem sempre pode ser julgado desta maneira. O que ele representa para mim é saudosismo! É identificar certos objetos, não pelo valor econômico, mas pelo apego afetivo. Instrumento de um trabalho que me dava prazer, como segurar uma máquina de costura, ou ainda tantos livros, manuscritos, cartões de felicitações, exercícios do curso de datilografia ou boletim da primeira escola, cartão de vacinação dos filhos, cartas, apostilhas de quando ainda cursava faculdade e até farda de colégio.

Passei a vida guardando fotos cartões de festas, cartas... Assim fica difícil se desvencilhar dessas coisas materiais que me trazem boas recordações. Mesmo morando em outra cidade, há quase três anos, ainda não me atrevi largar a minha residência em Reriutaba. Isso é apego? Acho que não. É ambição ? Também não. É amor! É medo de desapegar dos vizinhos, dos amigos. É segurar o vínculo que me une ao meu torrão natal, aos espaços conquistados.  Está lá a casa... Estão lá os móveis, os quadros na parede, as roupas nos armários e as lembranças de um tempo a cada dia mais distante!
 
Hoje cedo li esta linda mensagem escrita pela mamãe. Não me contive e respondi com lágrimas nos olhos à minha falta de desapego pelo passado. Ainda vou a Reriutaba com muito mais frequência que minhas irmãs. Talvez pela missão de limpar as teias de aranhas pelos cantos, varrer o chão empoeirado e sacodir fronhas das camas de minha velha casa. Talvez para aguar as plantas que continuam verdes ante tanto calor e aridez lá em nosso sitiozinho ao pé-de-serra. Talvez para dar manutenção na piscina que não tem a transparência no tempo em que o papai e seu ajudante Buxexa dela cuidavam com tanto amor para receber-nos em algum final de semana, no carnaval ou na Semana Santa.

Recentemente voltei ao berço e foi assim que encontrei meu quarto. O rangido da porta ao abrir me revelou uma pequena luz refletindo em meu retrato um telefone verde de brinquedo que segurava nos meus cinco anos de idade; no cantinho a marca em itálico da “Aba Film”. O guarda-roupas entreaberto, a cama carente de um bom sono. No hall, velhos retratos de tios que se foram, de fraternas infâncias que se distanciaram, de momentos que teimam em espremer os cantos de nossos olhos e molhar meu rosto.

No SíTioLulu tudo se repete: a varanda relembrando o som do balançar das redes, o deck ouvindo as gargalhadas regadas a copos de cerveja e o som infantil da piscina cheia de crianças e sobrinhos. Hoje, apenas o zumbido de abelhas tentando à borda, beber um pouco daquela clorada água.  

De repente, parece que acordo do passado e vejo tudo tão silencioso, vazio, seco! As poucas plantas que sobraram da severa seca ameniza o desolamento: as Bougainvillea  continuam lá rosadas. O curioso é que até mesmo entre elas há sempre uma parente mais forte que resiste melhor às adversidades da vida, pois ao lado de uma mais rosada e viva, está ali uma mais acinzentada e murcha.

Desço ao leito do riacho; apenas areia e seixos esperando a água que não desce do pé-de-serra. Mas, ao verificar o olho d’água: alegria! Que bom que continua cheio e límpido. E é com essa fonte resistente que ainda mantenho vivo aquele terreno, como assim nomina meu pai.

Volto ao platô e olho os cajueiros. Floraram? sim, floraram!  Mas, poucos foram os cajus que brotaram. Tento colher alguns, mas são poucos. Prefiro deixar para alimentar os pássaros. E, vejam só: como a Natureza é sábia e a Seca também tem seu lado provedor. Os cajueiros deixaram os melhores cajus em suas copas mais altas para que ninguém os colha, somente os pássaros e abelhas deles usufram. Entendi o recado da Natureza e preservei os poucos e altos cajus.

          E assim volto de mais um encontro com o passado, plagiando meu dileto poeta de Alegrete, Mário Quintana: “Quando menos se espera já é meio-dia, já é dezembro e então chegou janeiro novamente e lá se foi grande parte de nossas vidas; vivamos hoje!”

 

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Lembranças Póstumas

Lembranças Póstumas III


Tia Terezinha Taumaturgo
Orlando ao lado de Felipe Aguiar acenando e Chico Pinto de camisa marrom 

Hoje é dia daqueles que partiram para a casa do Pai Eterno. Tantos já se foram e, em nome deles, homenageio minha tia Terezinha Taumaturgo que tão recentemente foi ao encontro de Deus, deixando-nos com tantas saudades!
Algumas percorreram longa estrada e, quando as encontramos, já estavam de saída. Outros, ainda nos primeiros passos da vida, passaram para o outro lado.
Lembro-me de tantos. Assim como minha tia-madrinha, a partida de meu compadre, primo e amigo Evandro Filho ainda aviva minhas tristezas e, ao mesmo tempo, a lembrança de sua maneira alegre e veloz de viver. Seu espírito aventureiro pela velocidade segue analogia da partida do Felipe Aguiar onde a velocidade fora substituída pela liberdade extrema de saltar, de viver ao extremo da alegria ou pela defesa intangível da família como foi a motivação da partida do Carlinhos da Tia Antonieta Melo Soares.


Evandro Filho 
Estas atitudes e ações de cunho impulsivo e heróico traem no silêncio e na letargia de nossos ouvidos.
É desta forma que meus finados estão presentes: em suas lembranças, em suas marcas alegres e edificantes neste plano mundano e a Deus peço-lhes paz:
Na honestidade de meus avós José Calixto e Antônio Teófilo;
Antônio Teófilo Rodrigues
 
No amor incondicional de minha tia Terezinha Memória Taumaturgo Lopes;
Na firmeza da Dona Aidan, minha tutora quando jovem estudante;
No respeito e amizade a meus grandes professores Coronel Felizardo de Paula Pessoa Mendes, Coronel Nunes, Major Studart, Julian Hull, Coronel Lomônaco, Coronel Prado e o inesquecível franco professor de português: Parlevu;
Na alegria constante dos primos Felipe Lopes Aguiar, Carlos Melo Soares, Zé Augusto, George Rocha e Evandro Filho;
Na brilhantina e boa apresentação do Seu Juvenal, pai do amigo Paulo Araújo.

Nos sorrisos serenos da Dona Sinhá Taumaturgo, Dona Mariinha Freitas e de Dona Terezinha Furtado, mãe do Luís Júnior;
No trabalho social de Dona Mariinha Sá;
Na irreverência cômica da Dona Antonieta Bôto Cruz e de Dona Artemísia Lemos;
Na simplicidade do Dr Assis Martins;
Na simpatia do Seu Manim, pai do dileto amigo Dr Hermenegildo Farias Filho.
No zelo e amor ao próximo do Gerardim Doido (doidos somos todos nós; o Gerardim era fraterno, tão somente isto!);
Na inteligência de nosso compositor momino Mestre Piru, meu primo e filho do Seu Filemón;
Na cultura de Edmar Bezerra e no empreendedorismo educacional de Edson Bezerra;

Na humilde e honesta lidas de Seu Joaquim Morais em sua padaria e de Seu Zeca Alves em seu armazém;
No profissionalismo do amigo eletricista Tarciso;
Na vida simples e desprendida  de Gerardo Braga e do amigo Bandido (cidadão que tinha todas as qualidades, menos de bandido);
Na amizade e franqueza do Pretim Rodrigues, pai de nosso amigo Raimundo;
Nas rondas de Seu Dionísio, zelando pelo Reriutaba Clube;
No labor de meu primeiro dentista, Dr Osvaldo Lemos;
Na humildade prestável de Yayá Taumaturgo;
Na meiguice e amizade de nossa prima Maria Alice Soares; Dona Nair Paulino, do inesquecível amigo Antenor Paulino e do amigo Abílio César;
Na afeição sincera e silenciosa de Seu Demarzinho, pai de meu grande amigo Zé Aldemar Mesquita;
No profissionalismo incansável e materno estendido pelas mãos santas de Dona Maria Portela que deu as primeiras boas-vindas a muitos conterrâneos;

No trabalho saudoso e prestável de Seu Joca e de Chico Eudes;
Na probidade e cidadania de Seu Nóbrega, nobre coletor;
No orgulho sadio do sincero Zé Mourão;
Na amizade de Seu Otávio Torres, pai de meu amigo Chico Torres. Dele ganhei de presente minha primeira calculadora com display de leds, algo bizarro e ultratech para a época;
Na amizade sincera do "cumpade" de meu pai, Otávio Mororó que se orgulhava de seu filho  Washington, avisando previamente que o mesmo seria médico, mesmo ainda cursando a segunda série do primeiro grau; mostrando destarte sua altivez e amor paterno.
E, quando meu pai o repreendia dizendo:
“_Cumpade quem é este seu filho que vai se formar em Medicina?
Ele logo o retrucava: _“ora, Cumpade Lulu, é o Washington”
_Washington, meu afilhado? Ele ainda faz a 2ª série!
- Ora, cumpade Lulu, você já viu algum médico que não tenha cursado a 2ª série do primeiro grau?”
De Seu Antônio Mororó do Posto, homem probo e trabalhador;
Do "cumpade" do papai, Antônio Mororó, que sonhava um dia ir à Santa Quitéria em estrada asfaltada e achava que isto não vivenciaria (tinha razão!);
Na amizade de Seu Antônio Ximenes e de Seu Salim, sempre presentes em minha casa nos jogos de baralho com meu pai;
De Gerson Bertoldo em sua lida diária, transportando os malotes bancários;

Do Manoel Linhares Pé Sêco, esposo da Aurinha com sua caminhonete pegando os cariocas que chegavam de Horizonte (empresa de ônibus) no Ponto do Françuar;
Na juventude ceifada do divertido Mairton Castro;
Nos acordes do Raimundo Paiva em tardes de sábado no seu alpendre lá na Santa Cruz Velha;
No bom atender em seu bar: saudoso João Abraão;
Na humildade de Seu Manoel Linhares, BolaAeto e Vieirinha;
No alfabetizar incansável da tia Beatriz e de Dona Irene Ximenes;
“É uma satisfação” no sorriso constante do Dodó Passos,
Na amizade familiar dos tios Deusdedit, Sitônio, Osmundo e Ita;

Nas cômicas repentes do padrinho tio Assis Lopes e de Gerardo Nel;
Na folia do Seu Saldanha, tio Assis e do Locha Taumaturgo em dias de carnaval;
Na companhia agradável do amigo Fernando Taumaturgo;


Fernando Taumaturgo

Do primo Marcondes Soares, meu peixe nas tardes de carnaval do Reriutaba Club;
Na beleza de Elice;
Na hilárica franqueza do tio Fernando Taumaturgo, Atibones e Dona Tintinha; 


Tio Fernando Taumaturgo à esquerda
Na firmeza e educação de Seu Zé Edmilson Aguiar;
Na sadia irreverência do Seu Zé Taumaturgo e na paciência de Dona Geny Bezerra;

No respeito e humildade do ourives amigo Laércio;
Na matura amizade do Seu Adjemir Castro;
Nos ensinamentos religiosos do Monsenhor Ataíde Vasconcelos;
Na fé familiar da tia Djanira e na simplicidade do tio Pedro Teodoro;

Na sinceridade do amigo Chico Pinto, defensor da coisa pública e antagonista do neoliberalismo tassista;
Dos motes e ditados do Diassis da Loja com seus chevetes e leruás;
Da alegria do pequeno Manilim e de Luís Filho do Luís Fulô;
Dos versos e irreverência do Zé Aldir do Seu Coquim;
Da central telefônica do Seu Alderico Magalhães;
De seu Tomé Moreira, sentado à tardinha na calçada de minha rua;
Do uniforme claro do honesto e sincero parente Seu Zezé da Dona Lessinha;
Na presteza ímpar do Seu Firmino a quem tenho apreço infinito;

Na gentileza e nos passos de forró do Seu João Vapor;
No carinho infantil do Careta e do Curicaca;
Na serenidade dos seus Chaguinhas (“da loja e do bar”), Dona de Lourdes, Dona Tonha Lucca e Dona Lilioza;
Nos passos guiados de Seu Raimundo Honório e do Seu Antônio Gama que tinha uma reverência enorme a meu pai;
Na ébria alegria do Denizar, Cumbuca, Louro Preto, Zé Miguel e Careca;


Denizar
Nos foles do jovem sanfoneiro Xuxa;
Nos estridentes e fortes gritos do leiloeiro Chico Rosendo nas noites de agosto;
Nos inúmeros pacotes  e malas do Seu Doquinha ao embarcar no trem para Fortaleza;
Na matutice admirável e respeituosa de Chiquim Galvão e Moniquinha em manhãs de feira de sábado, mascando seu fumo e olhando placidamente para os transeuntes;
Na vaidade política do grande prefeito Ivan Rego; na representatividade de Albano Veras e Davi Morais;
 
Ivan Rego  
Enfim, de todos aqueles reriutabenses que deixaram seu legado na alegria, na humildade, no trabalho, na fé e na amizade. Sejam humildes e ora esquecidos, sejam agraciados e ora lembrados.
Sempre haverá um desses reriutabenses ocultos nestas linhas, mas que merecem nosso apreço e  respeito!

Deus os tenha!