sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Traga uma cerveja

Traga uma cerveja

Em março de 2013 meu pai sofreu um AVC hemorrágico de tronco encefálico. Após muitas idas e vindas do hospital, muita dúvida sobre seu reestabelecimento, sequências de remédios, fisioterapia, fonoaudiologia e também muita dedicação de minha mãe e de minhas irmãs, hoje tem uma vida razoável, oscilante entre um pouco triste e picos de alegria.

Sua tristeza é intimamente ligada não somente à sua senilidade já presente, mas também por ter-se tornado hemiplégico. Em momentos de outrora passeava pelas calçadas, pelas praças e restaurantes de nossa Reriutaba, conversava com uns poucos e remanescentes amigos de sua época e era cumprimentado por todos.

Hoje seu dia é intercalado por remédios, fisioterapia, refeições leves e por passeios pelos shoppings e praia nos finais de semana. Memória brilhante de momentos antigos, memória opaca de momentos recentes. Lembra-se com clareza de nomes, sobrenomes, causos engraçados de sua juventude, mas às vezes esquece o nome dos filhos. Sabe quem somos, mas dá um repentino branco.

Às vésperas do último dia 05 de setembro, primeiro dia de um final de semana prolongado, pensamos em viajar para nossa cidade. Mas, a logística da viagem, de se arrumar a casa de lá, de se retirar toda poeira, de se arranjar algum cuidador, enfim, de se buscar um conforto, talvez se transformasse em cansaço, risco de gripe ou mesmo de stress para meu pai e também para nós.

Enfim... resolvemos ficar por aqui e intercalar no final de semana um jantar, um almoço em família ou o passeio pela praia.

No sábado resolvi almoçar com meus pais. Avisei minha mãe para aprontá-lo. Coloquei-o no banco da frente e minha mãe sentou-se atrás.

O restaurante escolhido foi o Picanha do Jonas, ali na rua Tibúrcio Cavalcante, até porque ficava bem próximo ao apartamento deles. Sempre costumávamos ir ao Parque Recreio da Rui Barbosa, mas resolvemos inovar.

Estacionei o carro na vaga especial que, graças a Deus, não havia sido ocupada por um desses condutores sadios, mas doentes de educação.

Desci do carro juntamente com minha mãe e fui pegar a cadeira de rodas no bagageiro. Abri a porta do carona onde se encontrava o papai que permanecia de cinto de segurança atado para minha tranquilidade.

Neste ínterim, meu pai destravou o cinto com sua mão esquerda sã e inclinou o corpo como se pudesse descer sozinho do carro. Não deu outra: caiu de testa na calçada, assustando-nos.

Corri ansioso para socorrê-lo, levantei-o e o pus na cadeira de rodas que já se encontrava montada e ao lado do carro. Notei o lado direito de sua testa com escoriações e um pequeno sangramento. Fiquei assustado e perguntei-lhe se sentia tontura, mal-estar.

O papai dizia que estava bem, mas não acreditávamos, tanto pelo acidente quanto pelo seu longo histórico de saúde. Adentramos ao restaurante, acomodei-o à mesa e chamei o garçom. De imediato, trouxe-nos gelo. Logo em seguida, o garçom bem atencioso nos trouxe uma caixa de primeiros socorros com gaze, algodão, álcool e um antibacteriano spray, uma rifocina.

Seu Luiz Lopes, após o tombo

Meu pai, afastava insistentemente minha mão, dizendo que tudo estava bem. Vendo que o susto havia passado, o garçom perguntou-lhe:
- O senhor precisa mais de alguma coisa?

O papai inclinou sua cabeça na direção do garçom, franziu a testa num sorriso quase imperceptível, ergueu seu braço são e disse:
- Traga uma cerveja!!

Foi o bastante para que ele mesmo, minha mãe e eu caíssemos na gargalhada que foi acompanhada pelos que estavam nas mesas à nossa volta.

É, pai! realmente o senhor está bem! E assim foi um ótimo almoço com meus pais naquele final de semana prolongado.


Luiz Lopes Filho, 18 de setembro de 2015

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Escavadeira

Escavadeira

Hoje, conversando com o amigo Lucídio Leitão, lembramos de um de seus episódios que bem retrata como distanciamo-nos da atenção ao próximo.

Quando um amigo, um necessitado ou alguém próximo aproxima-se de nós buscando ajuda, já nos vem à mente que o dinheiro, a ajuda material vai resolver aquele difícil momento.

Relevamos pois o conforto espiritual, a boa conversa, a visita tão esperada e fraterna.

O texto abaixo bem emoldura este sentimento que carregamos no dia-a-dia: a apologia ao material em detrimento do espiritual ou da boa ação intangível e desprovida de cifrão.

Segue pois seu texto:

Durante os dois últimos dias, tenho pensado muito num grande amigo de minha família, no caso o Sr. Vladimir, conhecido no meio das vaquejadas como Escavadeira, devido a sua força e compleição física.
O Escavadeira em muito nos marcou, especialmente a mim, por conta do seu permanente apoio ao meu filho Tiago, quando de suas participações em diversas vaquejadas pelo Brasil afora. O nosso querido Vladimir sempre se mostrou um fiel escudeiro do Tiago. Nas corridas de bois foi seu esteireiro de primeira hora. Meu filho, ao seu lado ganhou muitos prêmios, a exemplo do segundo lugar na vaquejada de Campina Grande/Pb, Parque Ivandro da Cunha Lima, no ano de 2004, embora nessa ocasião lhe tenham tirado o primeiro lugar de maneira sem lisura, levando o Vladimir a enfrentar tudo e a todos para reformar essa situação, o que, lamentavelmente, não aconteceu. Esta é uma outra história que oportunamente poderei contar-lhes um dia.


Foto n° 01 – Campina Grande/PB – Ano 2009.

Saber da sua presença ao lado do “Mago Véi” (Tiago), quando eu ficava impedido de estar presente nas vaquejadas, transmitia-me tranquilidade, já que ele sempre mostrou-se dedicado e servidor ao Tiago, correndo os bois do meu Filho de maneira "ligado total", com interesse, com empenho, com determinação de vencer. Fato ocorrido em diversas ocasiões.

Além dessa dedicação do Escavadeira quando das carreiras do Tiago, ele procurava orientá-lo para o caminho do bem, da retidão, da decência, do servir. Chegava a orientar o Tiago no sentido de que ele se empenhasse em suas atividades universitárias e laborais, àquela época, e ainda que ele nas vaquejadas não se excedesse na bebida e nos forrós, evitando assim o seu esgotamento físico, o que poderia comprometer o seu desempenho como um campeão e afetar a sua imagem como homem de bem, que ele é.


Foto n° 02 – Campeão Campeonato Paraibano – Ano 2008 (Parque Cowboy, João Pessoa/PB).

Assim, dentro desse clima de camaradagem por muitos anos convivemos com o Escavadeira.

No inicio do ano de 2006, talvez em meados de março para abril, percebi a ausência do Vladimir ao lado do Tiago, ou melhor, a ausência do Escavadeira nas vaquejadas, fato que me levou a indagar do Tiago sobre esse distanciamento, suspeitando ser o agente motivador as conversas conduzidas pelo Vladimir com o Tiago no tocante ao seu comportamento nas vaquejadas.

Pior do que essa suspeição foi saber que o real motivo da ausência do Vladimir se referia ao seu estado de saúde, extremamente, fragilizado por ter contraído uma bactéria decorrente de sua atividade de vaqueiro, ou seja, a maioria das pessoas que correm boi chegam a treinar sem luva, procurando evitar arrancar o rabo dos bois, que nesta situação ficam inutilizados para essa prática, mas em consequência provoca ferimentos na mãos dos praticantes da vaquejada, criando assim, uma porta para a entrada de enfermidades, fruto do contato da pessoa com o boi através do rabo do animal, onde ali existe a presença de fezes e outras sujeiras que podem estar contaminadas por alguma doença.

Frente à situação, e por uma questão de gratidão ao meu amigo Escavadeira, que tanto carinho e atenção dedicou, tem dedicado, a todos nós e, de maneira especial ao Tiago, decidi me inteirar melhor do seu estado se saúde, no intuito de contribuir para o seu pronto restabelecimento, contando com o apoio da Vera e do meu cunhado, Dr. Málbio, profissionais dessa área.

Informado pelo Tiago, fiquei sabendo que o Vladimir estava internado no Hospital Baptista, sediado na Av. Padre Antônio Tomás , próximo à Av Virgílio Távora. Decidi visitá-lo na manhã seguinte, e cedo, como costumeiramente eu acordo, estava na porta do Hospital. Devia ser no máximo 6:30h. Ele se encontrava no primeiro andar. Subi as escadas devagarzinho, quase que querendo adiar o nosso encontro, com receio de encontrar o meu Amigo em um estado deplorável. Essa situação se confirmou.

Ao entrar no quarto o encontrei dormindo, e a sua esposa acordada numa cadeira de balanço a pastorá-lo. Ao vê-lo não acreditei se tratar do meu querido Escavadeira. O Homem encontrava-se irreconhecível. A sua esposa de imediato me recepcionou demonstrando enorme satisfação em me ver.

Começamos a conversar baixinho, quase que sussurrando para não acordá-lo, já que ela tinha falado que ele havia passado à noite em claro e só naquela hora foi que tinha conseguido dormir.

Já perto de ir embora, o meu Amigo acordou e aí, se mostrou feliz pela minha visita. De pronto perguntou pelo Tiago. Pelo Tiaguinho, como ele sempre, carinhosamente, tem tratado o meu filho. Falei que ele estava bem, apesar de não mais ter tirado uns prêmios como acontecia com o seu apoio. Ao fazer essa colocação, ele foi às lágrimas. E eu também.

Frente a tudo isto e sabedor de como o Vladimir vivia, fruto dos prêmios em vaquejada e das comissões batendo esteira para outros vaqueiros, incluso aí o meu Filho, e ainda em decorrência dos fretes praticados no seu caminhão Ford-Cargo, já bastante usado, recentemente adquirido por ele, cuja prestação mensal, a preço de hoje estimo que giraria em torno de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), imaginei estar ele passando por uma momentânea dificuldade financeira, já que se encontrava sem trabalhar há quase dois meses.

Daí, antes de me despedir, os indaguei de como estava ás condições deles em casa. A esposa logo se manifestou dizendo que não estava bem. Muito apertado. Tanto em razão da falta de dinheiro como devido não ter com quem deixar os dois filhos menores. Em seguida o Escavadeira colocou que, a sua maior preocupação se dava pelo atraso nas prestações do caminhão. Tinha receio do ex-dono tomá-lo, ou gerar um atrito entre ambos, já que, naquele momento, três prestações estavam vencidas.

Na hora, de maneira incontinente, me coloquei à disposição para ajudá-los a sanar essa situação financeira, e em seguida me aprontei para deixá-los. Ao sair do quarto fiquei pensando no compromisso assumido e mais rápido do que a decisão em ajudá-los me veio o arrependimento. Imaginei que não chegaria no meu carro sem que o telefone tocasse e me fosse solicitado por eles uma quantia em dinheiro.

Cheguei no carro e o telefone nada. De qualquer forma aquele pensamento de arrependido e a certeza da ligação telefônica me pedindo socorro financeiro não me abandonavam. Passou o dia. Chegou à noite. Nenhuma ligação se confirmou. Mais um dia. O arrependimento em servir continuava, mas a suposta ligação telefônica de socorro não aconteceu. Outro dia se passou. E nada!!

Passada uma semana, uns dez dias, devido à falta do certo pedido de socorro, certo por mim, decidi voltar ao hospital motivado, principalmente, pelo fato de não entender o que os levou a não aceitar os meus préstimos colocados quando da minha visita primeira.

Era uma situação conflitante. Queria saber da razão da falta do pedido de ajuda e ao mesmo tempo, visceralmente, preocupado com o possível surgimento do pedido de socorro.

Cheguei no hospital, subi as escadas de acesso ao primeiro andar e me dirigi ao quarto ocupado pelo meu amigo Escavadeira. O receio do imaginário pedido de socorro financeiro foi totalmente ofuscado pela satisfação em vê-lo num estado de franca recuperação.

O Homem estava sorridente. Seus traços físicos já se assemelhavam ao verdadeiro Escavadeira. Ele mais do que eu demonstrou alegria em rever-me. Uma felicidade indescritível até hoje. Ali ressurgia quase que na plenitude o parceiro do Tiago. Fiquei feliz. Ele foi logo me dizendo que o médico o daria alta ainda naquele dia, ou no mais tardar no dia seguinte.

Depois de muita conversa falei que precisava ir embora. Nesse momento me voltou o receio do pedido. Conversamos um pouco mais e essa preocupação não me abandonava.

Fui embora e aliviado me senti por não terem me solicitado nada. Passaram-se os dias e de quando em vez nos falamos por telefone. Foram-se os meses e continuávamos a nos falar apenas por telefone, já que o médico o havia recomendado se afastar das vaquejadas por um longo período.

Chegou o final do ano. Primeira quinzena de Dezembro/2006. Vaquejada do Clube do Vaqueiro. Reinauguração do Clube, adquirido na época pelo Sr. Jonathas Dantas, paraibano de Uiraúna. 

Já naquela ocasião um bem sucedido empresário no Rio de Janeiro/RJ. Uma das maiores vaquejadas do Brasil. A presença de vaqueiros de vários Estados é certa. Um prêmio ganho no Clube é tudo que a vaqueirama deseja. É o topo da pirâmide.

Nessa época estávamos em festa. O nosso sitio, a Tijuma (TIago, JUliana e MAriana), homenagem a meus filhos, estava cheio de amigos e familiares. Todos torcendo pelo Tiago.

Fomos para o Clube do Vaqueiro assistir o Tiago correr. Arquibancadas cheias. Boiada forte e o Tiago inspirado. Bateu a senha. Estava apto à disputa. Fui ao delírio. Gritava. Chorava. Pulava. Jogava meu boné prá cima. Agora era aguardar a disputa e pedir a DEUS inspiração para o Tiago.

De repente, ao olhar para a parte de baixo da arquibancada vejo subindo o meu amigo Escavadeira, acompanhado de sua Esposa e dos dois filhos. Pequeno e Terra quente, como me dirijo a eles até hoje. Segundo ele, estavam na arquibancada oposta a que nos assentamos.

Abraçamo-nos com afeto e alegria. Ele disse que ao chegar no Clube ouviu, por meio do sistema de som ambiente, o nome do Tiago ser chamado para correr ao lado do Renato do Têtê.


Foto n° 03 – Fase classificatória (Tiago ao lado do Renato) – Ano 2006.

Foto n° 04 – Disputa final (Tiago montando Caretinha) – Ano 2006.

Falou-me que, logo imaginou ser ele o parceiro do Tiago naquela corrida. Infelizmente não podia ser. Pediu a DEUS pelo Tiago. Pela sua proteção e sucesso na corrida.

Em seguida, no meio daquela multidão existente na arquibancada pediu a atenção de todos e anunciou, de maneira exagerada, como é típico das pessoas autênticas, que eu havia lhe salvado a vida, quando ele se encontrava doente. Não entendi nada. Afinal de contas não o ajudei financeiramente com nada. Com nenhum centavo. Ele nunca me solicitou qualquer quantia.


Foto n° 05 – Torcedores do Tiago assistindo as suas carreiras de boi – Ano 2006

Veio o mais grave. Ele declarou que, devido a minha presença, uma das poucas pessoas a lhe visitar quando de sua enfermidade, ele teve a certeza que não estava só naquela empreitada de sobrevivência. Era só do que ele precisava. De amparo. De um ombro amigo. De uma fala. Da certeza de um parceiro naquela caminhada.

Nessa ocasião senti-me como se tivesse sido atingido por um violento soco. Me senti um fraco. Como fui me preocupar apenas com o lado material? Com o dinheiro. O meu amigo não estava precisando disso. No fundo ele precisava era de apoio. De saber que tinha amigo. Que podia contar com alguém.

Éééééé!!!!!!!!!!!!!! Imaginamos que as coisas materiais são mais importantes do que as espirituais. Mais importantes do que as ligadas ao coração. Pensei no conto do Rei Midas.

Ainda hoje carrego essa culpa.

De qualquer sorte ficou a lição quanto aos verdadeiros valores da vida e ainda a certeza de que não devemos fazer qualquer tipo de pré-julgamento, bem como, senti, embora não tenha sido o Escavadeira o esteireiro do Tiago naquela vaquejada do Clube do Vaqueiro de 2006, que ele correu, espiritualmente, sempre ao seu lado, razão pelo qual o meu Filho foi um dos campeões naquele evento tão marcante em minha vida, tanto pelas declarações do Vladimir como pelo sucesso do Tiago.


Foto n° 06 - Troféu Grande Campeão conquistado pelo Tiago – Ano 2006.

Diante tudo isso fico a pensar que, por vezes, agimos como crianças, com relação às pessoas que nos cercam.

Chegamos ao ponto de até imaginar que não gostam de nós, que desejam nossa infelicidade, nossa queda.

Embora sendo muito difícil, é importante não estabelecer pré-julgamentos em nenhuma situação, a exemplo do que me ocorreu em relação ao Escavadeira, mesmo que os fatos conspirem a favor.

Nem sempre será possível descobrir os sentimentos dos outros pelas aparências.

Há pessoas que não conseguem exprimir seus sentimentos e dão impressão de frieza ou indiferença.

Por essa razão é que o pré-julgamento é altamente prejudicial.

Assim sendo, se for preciso imaginar os sentimentos dos outros, façamos esforços para imaginar sempre o melhor.

Fica aqui este meu registro.
Um forte abraço em todos(as).
LUCÍDIO LEITÃO.

(Fort. 11/07/2011)