quinta-feira, 31 de julho de 2014

Chinelo Emborcado


Minha infância foi sempre abastecida com superstições contadas pelas crianças mais velhas ou pelos adultos.

Se a mão esquerda coçar, é sinal de que vem vindo dinheiro. Mas se a palma da mão direita é que estiver coçando, uma visita desconhecida está para aparecer. E quem será? Será uma visita boa ou alguém trazendo más notícias. Por dias ficava esperando um dinheirinho de meu pai ou que meu primo da capital viesse passar as férias em Reriutaba.

Se sua orelha esquentar de repente, é porque alguém está falando mal de você. Nesses casos, vá dizendo os nomes dos suspeitos até a orelha parar de arder. Para aumentar a eficiência do contra-ataque, morda o dedo mínimo da mão esquerda: o sujeito irá morder a própria língua;

Na Idade Média, acreditava-se que os gatos eram bruxas transformadas em animais. Por isso, a tradição diz que cruzar com um gato preto é azar na certa. Muitas vezes via um gato preto vindo em minha direção e tentava desviar do tal bichano. Parece até que ele lia meus pensamentos e, de repente, saíamos eu e o gato correndo, evitando tal cruzar. Eu, com medo da superstição e o gato, de eu lhe fazer mal;

A superstição prega que serão sete anos de má sorte. Ficar se admirando num espelho quebrado é ainda pior, significa danificar a própria alma. Ninguém deve se olhar também num espelho à luz de velas. Não permita ainda que outra pessoa se olhe no espelho ao mesmo tempo que você. Por quê? Nunca me disseram!

Toda criança gosta de brincar com objetos de adultos. Quando abria um guarda-chuvas dentro de casa, sempre minha mãe brigava. O guarda-chuva deve ficar sempre fechadinho. 

Dizia-se que ao abri-lo dentro de casa trazia infortúnios e problemas de saúde aos familiares. Mas acho mesmo que era para se evitar de quebrar os bebelôs ou jarros da mamãe. Mas também para evitar algum acidente com a ponta de cada aro do guarda-chuvas.

Gostava de contar estrelas em noites escuras, principalmente quando faltava energia na cidade. O céu ficava todo brilhante de tanto elas piscarem. Mas morria de medo de apontar para elas, pois nasceria verrugas na pele.

Andava sempre com uma baladeira (estilingue). Quando completei 10 anos, ganhei uma espingarda de presente de meu pai. Cabo de madeira com formato de um triângulo comprido, cano sempre enferrujado e oco milimetricamente para passagem do chumbinho. A carga não era pólvora, mas ar-comprido que se acumulava ao dobrar o cano da espingarda num movimento de quarenta e cinco graus. Sempre tinha que dispender uma certa força para recarregar o artefato e isto cançava muito os braços infantis.

Passava o dia todo em cima do muro do quintal esperando algum azulão ou rolinha pousar no frondoso pé-de-canafístula que ensombreava o quintal do armazém de seu Luís Taumaturgo, pai de meu amigo Luís Júnior.

De cima do muro via quando uma lagartixa balançava a cabeça em minha direção. Não pestanejava, disparava um chumbinho no rabo dela. Só assim, passaria a ter mais pontaria, dizia a superstição.  Consegui deixar muita lagartixa sem rabo. O pedaço cortado caía e ficava pulsando por minutos. Dizíamos que ela tinha dois corações, um no tórax e outro no rabo. E haja menino tentando fazer necropsia de rabo de lagartixa atrás do segundo coração do pobre réptil.

Mas, o mais difícil era acertar um beija-flor. Sempre ao meio dia, pousavam no pé-de-boca-de-leão do quintal lá de casa. E, ali, encostado num fogão à lenha nos fundos da casa, ficava a espreitar os minúsculos pássaros. A meta era matar um beija-flor e comer o coração dele. 

Aí pronto, nenhum tiro seria em vão, todos seriam ponteiros daquele momento em diante.  Fiz muitas tentativas, mas nunca matei um colibri. Ainda bem, hoje repenso em tantos crimes ambientais que cometíamos quando crianças.

Havia também uma certa proibição de que as mulheres assobiassem. Isto era coisa do satanás. E realmente, poucas eram as meninas de nossa época que arriscavam a fazê-lo.

E para os meninos também não era bom assobiar dentro de casa, pois atraía os maus espíritos.

O que mais dava medo a mim e a meus amigos da época era chinelo virado.
Meu primo dizia: “Rapaz, desemborca a tua chinela japonesa”, porque você ou alguém de sua família pode morrer.
Ave maria, não podia ver um chinelo emborcado que logo corria para desvirá-lo. Por isso não vou aqui postar uma foto chinelo virado. Como poderemos desvirá-lo neste blog. Só deletando a figura!

Na realidade, eram tantas as crenças que tínhamos certas compulsões e medos de contrariá-las. Muitas delas inventadas pelos próprios adultos no sentido de impedir certas traquinagens das crianças que desarrumavam tudo que se via dentro de casa.

Antigamente havia uma crença de que bons espíritos viviam em árvores, por isso, batendo na madeira, a pessoa acaba convidando os espíritos para protege-la.


Portanto, batamos três vezes na madeira e Boa Sorte a todos nós!



segunda-feira, 14 de julho de 2014

Síndrome do Vira-Latas ou do Novo Rico?

Síndrome do Vira-Latas ou do Novo Rico?

Ouvia muito meu pai falar sobre a Copa de 50. O Brasil jogava pelo empate na final com a seleção uruguaia. Mas perdeu de virada para os platinos em pleno Maracanã.
Nelson Rodrigues, escritor brasileiro criou então a expressão “Complexo de Vira-Lata”. Para o dramaturgo, o fenômeno não se limitava somente ao campo futebolístico. Segundo ele, "por complexo de vira-lata' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo" e ainda complementava: []"o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima".
Um jornalista americando recuperou a expressão complexo de vira-lata (traduzida para "the mongrel complex") na matéria para o The New York Times sobre o programa nuclear brasileiro, escrevendo:
Escrevendo nos anos 1950, o dramaturgo Nelson Rodrigues viu seus compatriotas afligidos por um senso de inferioridade, e cunhou a frase que os brasileiros hoje usam para descrevê-lo: "o complexo de vira-lata". O Brasil sempre aspirou a ser levado a sério como uma potência mundial pelos pesos-pesados, e portanto dói nos brasileiros que líderes mundiais possam confundir seu país com a Bolívia, como Ronald Reagan fez uma vez, ou que desconsiderem uma nação tão grande - tem 180 milhões de pessoas - como "não sendo um país sério",[3] como Charles de Gaulle fez”.
O Brasil estaria assim, desejoso de ser reconhecido como igual no concerto das nações, mas tropeçaria sucessivamente em sua baixa auto-estima, reforçada pelos incidentes folclóricos acima relatados e outros do mesmo gênero ("a capital do Brasil é Buenos Aires", "os brasileiros falam espanhol" etc) sucessivamente cometidos pela mídia e autoridades estrangeiras.
Chegamos então a um novo mundial. Ainda nas vésperas, autoridades da própria FIFA criticaram a organização da Copa pelo Brasil. Estádios inacabados, acessibilidade e obras viárias e de infraestrutura atrasadas e tudo mais. Mas, logo na abertura e, gradativamente com o decorrer dos jogos, da simpatia do povo brasileiro, jornais internacionais estampavam em suas páginas a boa acolhida dos brasileiros, os improvisos que deram certo e, concluíram que a copa foi um sucesso, tanto a nível de organização, quanto de como saber receber tão bem seus visitantes.
Na contra-mão, a seleção brasileira decepcionou como nunca. Nossa seleção perdeu em campo vergonhosamente, mas os brasileiros foram campeões como anfitriões. Sabem por quê? Porque a seleção, com algumas exceções, agiu como os estagiários inexperientes, envaidecidos por mil tatuagens, por mexas nas suas jubas, por brios em seus subconscientes polidos por gordos saldos bancários. São uma equipe de novos ricos.
Treinaram pouco e vestiram a camisa amarela sem ter suporte para honrá-la. Foram inexperientes como novo ricos que se colocam num patamar superior perante seus adversários tão somente por ocuparem um espaço financeiro superior ou por assim, intrinsecamente, cultivarem em suas precoces sensos. Acham que a quantidade de moedas, estrelas no peito ou contratos milionários são suficientes para se ganhar um campeonato mundial ou tão somete uma partida. E tudo isto é mais ainda vitaminada pela mídia e que enaltece certos jogadores, colocando-o num patamar superior às suas qualidades.
Desprezaram a concentração e o espírito de equipe. Não se faz equipe somente com um ou dois jogadores, sem esquema tático, sem preparação psicológica e maior rigor nos treinamentos. Na minha opinião, Neymar e David Luiz podem ser excluídos desta seleção vergonhosa. Foram empenhados e tentaram suprir a deficiência técnica e emocional dos demais.
Claro que subir na vida é sonho de todos nós. Faz parte do projeto de qualquer homem desde a era do fogo. Evidente que nem todos conseguem por uma série de razões conhecidas: incompetência, azar, falta de oportunidades e circunstâncias diversas. A lógica diz que a gente deve aplaudir quem conseguiu chegar lá no topo, mas o problema é que não aceitamos a postura deste vencedor. Lidar com fama e dinheiro é difícil, falta estrutura, falta pés no chão e sua vida fica embriagada pelo sucesso, fragilizando-o para quaisquer dificuldades que o dinheiro não possa comprar, como uma partida de xadrez, como uma partida de futebol. Aí está nossa seleção de 2014. Filigranada e tatuada idelevelmente numa memória nacional que nunca será esquecida pelas futuras gerações.

Resta-nos rever nossos conceitos, nossa idoneidade, nosso respeito ao próximo, empenharmo-nos por trabalhar com honestidade e esmero. Tudo isto é exemplo para nossos filhos e, a partir de uma simples gentileza, poderemos colher gentileza, de mais estudo, colher resultados, de mais respeito ao próximo, sermos também respeitados e assim termos em nossa vida um espelho que seja multiplicador de nossas atitudes e assim, termos de volta somente coisas boas.