sexta-feira, 16 de maio de 2014

Zenão de Eléia e a Felicidade Alheia


Zenão de Eléia e a Felicidade Alheia

Em nossas mentes deveremos ter sempre a famosa frase do filósofo romano Lúcio Sêneca: “Não se pode acreditar que é possível ser feliz procurando a infelicidade alheia”. 

         Quando estamos diante de uma dificuldade, seja de cunho financeiro, espiritual ou mesmo pessoal, buscamos às vezes consolar-nos procurando alguém em situação pior. Por quê? 

Havia na minha infância a Dona Totonha, senhora de seios fartos, rosto angulado, quadris largos e um sorriso ora azedo, ora doce estampado no rosto maquiado com pó Cashmere Bouquet comprado na loja da Dona Tonha Luca ou do Seu Lulu. 



       Lamentava-se sempre por causa da rebeldia de sua filha Graça, adolescente respondona que se atrevia naquela época replicar à mãe sem levar de volta uma boa chinelada ou um puxarranco de orelhas. Talvez por isso ela assim tão mal se comportasse. Vendo a situação da Dona Totonha, as vizinhas acalmavam a velha senhora, conformando-a: -“Totonha, pior seria: já pensou ter cinco filhos como a Chiquita, aleijados e com debilidade mental?!” Dona Totonha logo recolhia suas lágrimas e se enfurnava na alcova. 

           Ora, ora, mal sabiam as vizinhas e todo mundo ao redor que a vida de Dona Chiquita não era pior, mas sim muito mais feliz. Ela era feliz com o sorriso do filho mais velho, com o abanar no rosto da filha mais nova, espantando as moscas que perturbavam a ingênua e dócil criança de boca escancarada. Sentia-se a mais importante das mães, ajeitando a perna do filho que teimava em cair da cadeira de rodas.

Pela manhã cedinho, na calçada da antiga Rua Siqueira Campos, hoje Rua Luís Taumaturgo, colocava à frente de sua casa todos seus filhos banhados e cheirosos em suas cadeiras de rodas e, com o sorriso infinito que escondia todo seu sofrimento, esbanjava alegria, dando bom dia a todos que cruzavam sua calçada, sentindo-se a mais orgulhosa das mães por ter filhos tão lindos e maravilhosos. A felicidade que ebulia da alma da Dona Chiquita era divina e atraía a compaixão de todos quantos ali passavam. 

        Como julgar que alguém é mais ou menos feliz do que nós? 

        Zé Chagas, antigo morador do Sítio Goiabeiras tinha um grande sonho: aposentar-se e viver em conforto pleno. 

       Perguntei-lhe certa vez: - O que você faria se ganhasse na loteria? - Ora, dotô, eu comprava uns depósitos daqueles de silos de zinco, enchia de farinha, milho e feijão, comprava um burro bom de carga, uns dez carneiros e meia dúzia de vaca e pronto. Do Juré a Oitizeiro, de Reriutaba a Sobral num tinha ninguém na redondeza mais rico do que eu” 
- Mas, Zé Chagas, o dinheiro da loteria é mil vezes mais que isso! O que você faria com o resto do dinheiro? Ora, dotô, num já lhe disse que só precisava disto. O resto eu bebo de cachaça! 

       Estávamos certa vez na farmácia do tio Assis reunidos eu, João José Taumaturgo, Marcelo Memória, Chamundo e Antônio do João Coelho. Lá vinha chegando o papai para a roda de conversa e, antes de se abancar, foi logo reclamando que gastava tanto de remédio para diabetes, outro tanto para o coração e que ia deixar de gastar com medicamentos, pois não aguentava mais!. 
        
         O Antônio do João Coelho, cabisbaixo, ainda ressaqueado de porres que se assucediam por semanas, levantou os olhos esbugalhados pela cachaça e disse: - “Seu Lulu, você fica com minha saúde e você deixa eu ficar com suas doenças e seu cartão de crédito!” Aí sim, vou ser um homem feliz! 
Vendo todos rirem da situação, meu pai se retirou, resmungando: - - Oh caboco burro e besta! 



           Taí mais um lampejo do desejo de se ter a suposta felicidade dos outros por se pensar que o tal tem mais posses ou mais qualidade de vida. 

          Neste contexto, lembrei-me do meu cunhado Majela Leite que se espelha nos pensamentos de Zenão e na forma de como levar a vida, desejando assim imitá-lo no seu modus vivendi. 
Só não sei em qual dos Zenões ele filosofa esta busca de sua felicidade: o de Eléia ou de Cítio. 

             Zenão de Eléia, filho de Teletágoras, Zenão nasceu por volta do ano 489 a.C. Foi adotado por Parmênides na Escola de Eléia. Tornou-se um professor muito respeitado em sua cidade e, devido a isso, envolveu-se bastante com a política local. Juntamente com outros companheiros e conspiradores, Zenão tentou derrubar o tirano que governava a cidade. Foi preso e torturado até a morte. A partir de sua morte, tornou-se um herói, deixando uma marca na lembrança de seus compatriotas contemporâneos. Foi considerado por Aristóteles o criador da dialética.

       Muitas lendas surgiram sobre as circunstâncias em que verdadeiramente tudo aconteceu. Para Zenão, se a pluralidade existe, as coisas serão igualmente grandes e pequenas; tão grandes que serão infinitas em tamanho, tão pequenas que não terão qualquer tamanho.

               Como se tem pouco conhecimento da vida de Zenão, não sei em que livro meu cunhado leu onde Zenão vivia numa felicidade plena, nu com os penduricalhos balançando, comendo raízes e frutas silvestres. Olhando os pássaros sem preocupação, pois na sua filosofia, não há movimento de nada.

              Ante os argumentos zenonianos, toda crença e convicção, religiosa ou cientifica, e toda racionalidade construtiva mostram-se ilusórias e inconsistentes, uma vez que qualquer objeto, sensível ou abstrato, expresso em um juízo é passivo de ser demonstrado contraditório, como ser e não ser, ao mesmo tempo possível e não possível.

         O segundo argumento de Zenão (o de Eléia), conhecido como ‘Aquiles’, é este: o corredor mais lento nunca poderá ser alcançado pelo mais veloz, pois o perseguidor teria que chegar primeiro ao ponto desde onde partiu o perseguido, de tal maneira que o corredor mais lento manteria sempre adiante. Esta aporia, dúvida, paradoxo, objetiva demonstrar que, caso a tartaruga saísse na frente, Aquiles jamais a alcançaria. Aquiles, símbolo da velocidade, e a tartaruga, símbolo da lentidão, fazem uma corrida, tendo Aquiles dado uma vantagem à sua concorrente. Quando Aquiles parte, a tartaruga já se encontra num ponto mais avançado. Quando o herói pretende ultrapassar a tartaruga, terá de chegar ao ponto do qual ela partiu.

           Assim é Zenão: contraditório, de acordo e contra, despreocupado e alheio ao movimento.

            Mas agora vejo que meu cunhado se espelha mais é noutro Zenão, o de Cítio.



               Zenão nasceu em Cítio na ilha de Chipre. Possuía origem fenícia. A maioria dos detalhes que se sabem acerca de sua vida foram preservados por Diógenes Laércio na sua obra Vidas e Opiniões de Filósofos Eminentes. Diógenes relata a lenda segundo a qual Zenão seria um comerciante e que, após sobreviver a um naufrágio na costa da Ática, teria sido atraído por alguns escritos sobre Sócrates a um local de compra de livros em Atenas, para onde se teria transferido por volta de 312 ou 311 a.C.

          Zenão é descrito como tendo uma aparência desgastada e bronzeada, levando uma vida simples e ascética.

                  A doutrina filosófica de Zenão de Cítio afirma que o ser humano atinge a plenitude e a felicidade quando abandona todas as paixões terrenas, contrariedades, aborrecimentos e desassossegos.

              Para Zenão, a única forma de viver sem essas contrariedades é viver em ataraxia, ausência de inquietude, ou seja, abandonado ao destino, impassivamente, nada receando e nada esperando.

           Por fim, a felicidade plena é aquela em que Zenão vivia, abandonado ao destino, desapegado, sem aborrecimentos, sem inveja, sem condicionar sua felicidade à desgraça do próximo. Viver assim, vagando pelas florestas, comendo frutas silvestres e despreocupado com o balançar de seus penduricalhos.



Luiz Lopes Filho, Fortaleza, 16 de maio de 2014, querendo ser Zenão pelo menos por uns dias...