terça-feira, 15 de abril de 2014

Semana Santa

Semana Santa

Dois capítulos dos livros já haviam sido estudados, sejam de geometria, português, matemática, história ou geografia, sinal do ano letivo em movimento contínuo.

Passaram-se trinta e cinco dias desde o carnaval, foram-se as férias e os dias molhados nas calçadas lá da minha casa. Saudades dos banhos de rios, das pescarias em varas de marmeleiro e isca de bico de pão, muitas vezes doadas pelas padaria do Seu Joaquim Furtado ou de Seu Mantulão. Fisgávamos piabas, pequenos carás e, quando de surpresa e medo, um muçum.

Quando não conseguia cadeira no trem Sonho Azul, a passagem pela Horizonte já estava comprada e guardada entre as páginas da velha gramática comprada nos sebos da Rua 24 de Maio. Muitas vezes do Seu Geraldo que juntava livros muito mais por necessidade que por amor. Há 45 anos, ele começou a vender livros usados no chão do centro de Fortaleza e, aos poucos, foi se apegando à profissão de livreiro. Vendia uns aqui, comprava outros ali, mudava de endereço para ter mais espaço para seus livros. Com o tempo, o acervo foi aumentando, aumentando, até chegar aos quase 100 mil títulos que compunham o sebo “O Geraldo”.

               

Mas enfim, chegara o dia de viajar para Reriutaba, saía do Colégio Militar às pressas, segurando a boina suada e correndo para casa. O ônibus saía da Rodoviária por volta das treze horas e o coração já vinha acelerado por uma semana.



Que alegria entrar no ônibus e seguir rumo à minha casa. Chegara a Semana Santa. E com ela uns dias para ficar ao lado de meus pais, de dormir até mais tarde, de ir tomar banho na cachoeira do Juré, de comer milho verde e maxixe cozido.

                      


Por volta das quatro da tarde, o badalar do sino da igreja nos chamava para participar da procissão do Senhor Morto e, em filas duplas, mulheres de um lado, homens do outro, percorríamos as ruas da cidade, num burburinho e conversas com os primos, ora rindo de alguém, ora falando mal de outrem e, em vez de penitência e perdão, acumulávamos mais pecados.

Logo na 6ª feira Santa ficávamos na pracinha até mais tarde, esperando algum dos amigos mais afoitos para “chamar o Judas”, o que me faz lembrar do finado Osmindo que participava ingênua e influenciadamente pelos jovens mais destemidos. “Chamar o Judas” era tradição, mas também carregava nestes atos muito desrespeito principalmente por serem as pessoas mais humildes e desgraçadas as que tinham sua privacidade e silêncio noturnos desvastados por apelidos e algazarras à frente de suas pobres residências.

E assim diziam: “Vem subir no pau, cabra véi amancebado...cabra véi velhaco... e coisa e tal”. A resposta já estava preparada dias antes com dejetos, água suja ou coisa pior. O insultado respondia com mil palavrões e todos estes ingredientes. Todos corriam....e se dispersavam para rir pela madrugada de sexta para sábado no banco da praça.

No sábado à tarde, adultos, jovens e crianças se aglomeravam na praça do bairro Vila Nova, aguardando malhar o Judas. O boneco era confeccionado dias antes da Semana Santa com velhas cuecas, recheadas de serragem de madeira com uma velha e surrada fronha transformada em cabeça e pintada com um horrendo rosto; nos pés um velho par de Kichutes. O paletó era a peça mais nobre, mas também que mais mofo carregava. 

Prontinho...o Judas ficava num canto à espera de sua punição. Neste período, evitávamos falar palavrões e os adultos ficavam mais serenos. Ah, A Última Ceia..... Judas vendera Jesus por 30 moedas. Ah, Judas...você não sabe o que te espera! 

No sábado ele já estava dependurado numa alta vara de madeira. A praça estava transformada num palco de guerra. Com apedrejar de todas as direções, soltavam-se os braços, as pernas, os sapatos e a camisa do traidor. E, quando o boneco caía aos trapos, incendiavam e chutavam as últimas labaredas que teimavam em castigar o tal Judas.

Por fim, era nossa Semana Santa dos idos de 80 e 90. Hoje estas lembranças encontram-se meio desbotadas pelo tempo, pelos amigos que já se foram, pelas pessoas que se distanciaram, pelos próprios costumes que se enfraqueceram.

A saudade desistiu de me chamar à Reriutaba, preferiu viajar comigo para Fortaleza e aqui se calar. Meus pais também resolveram ficar com os filhos aqui na capital. Talvez por mais conforto médico,  por mais confraternização familiar.

O amor à minha cidade não arrefeceu, não se apagou, mas os tempos, as pessoas e os dias áureos da juventude talvez mudaram de mãos e de corações.

Daqui e com o coração saudoso do passado, rogo a Jesus por mais segurança, por mais compreensão, por mais caridade, por mais desapego do material, por mais fé no Criador. 

Que renovemos nossa paciência e nossos corações no caminho de uma vida mais harmônica e mais cristã!

Fé e compaixão na Semana Santa e uma Páscoa abençoada a meus amigos reriutabenses.

Luiz Lopes Filho
Fortaleza, 15 de abril de 2014.








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