sexta-feira, 18 de abril de 2014

Faixas Musicais De Anos Que Se Foram



Faixas Musicais De Anos Que Se Foram


Quando ouço alguma música antiga, regresso a algum momento distante de minha vida, triste ou alegre, às vezes meio apagado ou nem tanto.

Assim se alinhavam as melodias de nossas lembranças, como obedientes a um índice cronológico de cada ano corrente.

No início, em fevereiro, um monte de marchinhas carnavalescas que nos faz retornar ao salão do Reriutaba Clube, ao bar do Dedé da Dona Caia ou do Valdemar Vieira. Com o período quaresmal, sucediam-se canções do Roberto Carlos, Vanderley Cardoso, Ronnie Von, Antônio Marcos, entre outras, todas vindas da sintonia das emissoras de Sobral, principalmente da Rádio Tupinambá no famoso programa “Seu Presente é Música”.

 Naquela época em nosso interior, quase não se ouviam Bossa Nova, pop internacional ou rock, a não ser o de Raul Seixas. Com sentido mais triste ou mais religioso, lembro-me muito bem de:

 “Jesus Cristo” e “A Montanha”, de Roberto Carlos:
Jesus Cristo! Jesus Cristo!
Jesus Cristo, eu estou aqui
Jesus Cristo! Jesus Cristo!
Jesus Cristo, eu estou aqui
Olho no céu e vejo
Uma nuvem branca
Que vai passando
Olho na terra e vejo
Uma multidão
Que vai caminhando..
.
A Montanha
Eu vou seguir uma luz lá no alto
Eu vou ouvir uma voz que me chama
Eu vou subir a montanha e ficar
Bem mais perto de Deus e rezar
Eu vou gritar para o mundo me ouvir e acompanhar
Toda a minha escalada e ajudar
A mostrar como é
O meu grito de amor e de fé....

“O Homem de Nazaré” de Antônio Marcos:
Mil novecentos e setenta e três
Tanto tempo faz que ele morreu
O mundo se modificou
Mas ninguém jamais o esqueceu...
E eu, sou ligado no que Ele falou
Sou parado no que Ele deixou
O mundo só será feliz
Se a gente cultivar o amor...
                          Com o Sábado de Aleluia, iniciava-se um período de canções internacionais da “Década Explosiva”, como Hey Judge e Yesterday (Beatles); Roberta(Peppino di Capri), Oh Darling(Paul Mc Cartney), e assim por diante. Eis o repertório das noites nas tertúlias, no salão da boite do Bar Horizonte ou mesmo da amplificadora do Lar da Juventude.
Domingo à tarde era de lascar, quando não se ouvia Nelson Ned, ouvia, amedrontado canções do Teixeirinha que falava da perda da mãe num incêndio (Coração de Luto) e que nos fazia imaginar o quão triste deveria ser aquela dor. Também pudera! o coitado do Teixeirinha teve uma infância difícil, especialmente por ter perdido aos sete anos o pai, um carreteiro, e aos nove anos a mãe, em um incêndio.

Quando começava a tocar no rádio esta música, corria na cozinha e desligava-o, para aborrecimento da empregada lá de casa que me xingava e voltava a ligá-lo, obrigando-me a correr p’rá calçada.

Também quando criança convivia com os netos de um simpático coletor da cidade, Seu Nóbrega. Soubera que seu genro havia sido assassinado em Chaval. Neste momento, também numa tarde de domingo, a rádio Tupinambá tocava uma canção de sucesso de Jane e Herondy conhecida demais: “Não Se Vá”. Tive muita pena dos órfãos, em especial de uma menina da minha idade chamada Sandra. Deveríamos ter uns onze anos de idade.

Por incrível que pareça, como as músicas batizam para sempre certos momentos de nossa vida!

Junho já era um mês menos monótono musicalmente, pois os três santos nos alegrava com suas canções. Era mês de fogueiras, quadrilhas e balões, o que nos fazia mais felizes.

Daí para o final do ano, alternavam-se canções tristes e românticas, sempre ao lado de algum forró pé-de-serra ou de um brega de Odair José ou Reginaldo Rossi.

Tenho recordação forte da rodoviária de Sobral, quando vinha estudar em Fortaleza, a mala carregada de roupa e o coração de saudades de meus pais e de minha vida do interior. Tinha que fazer baldeação e nisto, esperava horas e mais horas naquele inferno. Saía de Reriutaba às quatro da tarde na Brasileiro que só ía até Sobral. Dali aguardávamos uma lenta e lotada Serrano ou outra linha de pior espécie. Para atormentar minha mente, o fundo musical do cenário rodoviário eram músicas do Benito di Paula, cada qual mais saudosa (Vai Ficar na Saudade; Charlie Brown; Além de Tudo...)




Oh tempo bom, oh tempo triste, oh tempo difícil!, mas também oh tempo tranquilo! Sem os corre-corre do trânsito e suas multas, dos boletos vencidos de contas intermináveis, da preocupação com assaltos e de toda esta parafernália diária que nos encharca de cortisona.


Porto das Dunas-CE, 18 de abril de 2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

Semana Santa

Semana Santa

Dois capítulos dos livros já haviam sido estudados, sejam de geometria, português, matemática, história ou geografia, sinal do ano letivo em movimento contínuo.

Passaram-se trinta e cinco dias desde o carnaval, foram-se as férias e os dias molhados nas calçadas lá da minha casa. Saudades dos banhos de rios, das pescarias em varas de marmeleiro e isca de bico de pão, muitas vezes doadas pelas padaria do Seu Joaquim Furtado ou de Seu Mantulão. Fisgávamos piabas, pequenos carás e, quando de surpresa e medo, um muçum.

Quando não conseguia cadeira no trem Sonho Azul, a passagem pela Horizonte já estava comprada e guardada entre as páginas da velha gramática comprada nos sebos da Rua 24 de Maio. Muitas vezes do Seu Geraldo que juntava livros muito mais por necessidade que por amor. Há 45 anos, ele começou a vender livros usados no chão do centro de Fortaleza e, aos poucos, foi se apegando à profissão de livreiro. Vendia uns aqui, comprava outros ali, mudava de endereço para ter mais espaço para seus livros. Com o tempo, o acervo foi aumentando, aumentando, até chegar aos quase 100 mil títulos que compunham o sebo “O Geraldo”.

               

Mas enfim, chegara o dia de viajar para Reriutaba, saía do Colégio Militar às pressas, segurando a boina suada e correndo para casa. O ônibus saía da Rodoviária por volta das treze horas e o coração já vinha acelerado por uma semana.



Que alegria entrar no ônibus e seguir rumo à minha casa. Chegara a Semana Santa. E com ela uns dias para ficar ao lado de meus pais, de dormir até mais tarde, de ir tomar banho na cachoeira do Juré, de comer milho verde e maxixe cozido.

                      


Por volta das quatro da tarde, o badalar do sino da igreja nos chamava para participar da procissão do Senhor Morto e, em filas duplas, mulheres de um lado, homens do outro, percorríamos as ruas da cidade, num burburinho e conversas com os primos, ora rindo de alguém, ora falando mal de outrem e, em vez de penitência e perdão, acumulávamos mais pecados.

Logo na 6ª feira Santa ficávamos na pracinha até mais tarde, esperando algum dos amigos mais afoitos para “chamar o Judas”, o que me faz lembrar do finado Osmindo que participava ingênua e influenciadamente pelos jovens mais destemidos. “Chamar o Judas” era tradição, mas também carregava nestes atos muito desrespeito principalmente por serem as pessoas mais humildes e desgraçadas as que tinham sua privacidade e silêncio noturnos desvastados por apelidos e algazarras à frente de suas pobres residências.

E assim diziam: “Vem subir no pau, cabra véi amancebado...cabra véi velhaco... e coisa e tal”. A resposta já estava preparada dias antes com dejetos, água suja ou coisa pior. O insultado respondia com mil palavrões e todos estes ingredientes. Todos corriam....e se dispersavam para rir pela madrugada de sexta para sábado no banco da praça.

No sábado à tarde, adultos, jovens e crianças se aglomeravam na praça do bairro Vila Nova, aguardando malhar o Judas. O boneco era confeccionado dias antes da Semana Santa com velhas cuecas, recheadas de serragem de madeira com uma velha e surrada fronha transformada em cabeça e pintada com um horrendo rosto; nos pés um velho par de Kichutes. O paletó era a peça mais nobre, mas também que mais mofo carregava. 

Prontinho...o Judas ficava num canto à espera de sua punição. Neste período, evitávamos falar palavrões e os adultos ficavam mais serenos. Ah, A Última Ceia..... Judas vendera Jesus por 30 moedas. Ah, Judas...você não sabe o que te espera! 

No sábado ele já estava dependurado numa alta vara de madeira. A praça estava transformada num palco de guerra. Com apedrejar de todas as direções, soltavam-se os braços, as pernas, os sapatos e a camisa do traidor. E, quando o boneco caía aos trapos, incendiavam e chutavam as últimas labaredas que teimavam em castigar o tal Judas.

Por fim, era nossa Semana Santa dos idos de 80 e 90. Hoje estas lembranças encontram-se meio desbotadas pelo tempo, pelos amigos que já se foram, pelas pessoas que se distanciaram, pelos próprios costumes que se enfraqueceram.

A saudade desistiu de me chamar à Reriutaba, preferiu viajar comigo para Fortaleza e aqui se calar. Meus pais também resolveram ficar com os filhos aqui na capital. Talvez por mais conforto médico,  por mais confraternização familiar.

O amor à minha cidade não arrefeceu, não se apagou, mas os tempos, as pessoas e os dias áureos da juventude talvez mudaram de mãos e de corações.

Daqui e com o coração saudoso do passado, rogo a Jesus por mais segurança, por mais compreensão, por mais caridade, por mais desapego do material, por mais fé no Criador. 

Que renovemos nossa paciência e nossos corações no caminho de uma vida mais harmônica e mais cristã!

Fé e compaixão na Semana Santa e uma Páscoa abençoada a meus amigos reriutabenses.

Luiz Lopes Filho
Fortaleza, 15 de abril de 2014.