segunda-feira, 18 de março de 2013

O Muro

O Muro



Ontem, comentávamos sobre as diversas faces do comportamento humano frente ao sucesso de outrem. Um amigo lembrou-se logo de seu pai que lhe dizia:

- Filho, há um obstáculo à frente de nossos passos, onde os que estão subindo o muro numa acirrada concorrência, muitas vezes puxam seu vizinho, impedindo-o de galgar seu topo. E nesse puxa-puxa, alguns se desvencilham destas garras e conseguem vencer, conseguem sentar-se lá no topo deste muro. Ali pode tranquilizar-se, pois as garras que antes o puxavam, não mais são capazes de alcançá-lo. Consegue pois filigranar seu sucesso profissional.

Lembrando-se então do pensamento do saudoso Dr Edmar Fujita, acho que mesmo sentados numa confortável posição, há também outros que compartilham o topo deste muro e, se dermos algum sinal de proximidade e de ameaça a seu lugar, acho que também vão querer que nos espatifemos lá de cima, numa queda ainda mais traumática.

Portanto, mantenhamos nossas posições, nossos limites, nossos caminhos sem perturbação ao próximo. Não queiramos tirar proveitos do suor alheio, não queiramos dividir uma conta sem equidade, não queiramos comprar barato o ofício do próximo pelo fato de hoje ele estar fragilizado. Não queiramos tornar nossas vidas regidas pelas frias e silenciosas engrenagens do mercado financeiro.

Apologia à preguiça, incentivo ao comodismo. Talvez tenhamos que ouvir tais refrões ante a este pensamento, mas não se trata de deixarmos de trabalhar, de fugir à pesquisa e ao estudo em busca de novas tecnologias indispensáveis à nossa sustentabilidade, significa compartilharmos mais sem prejuízo próprio.

Hoje estamos: presidente, gerente, juiz, celebridade; amanhã seremos tão somente nós. Encontrei-me com um ex-presidente de um banco numa solitária leitura, sem ninguém a paparicá-lo. Aproximei-me e o cumprimentei: - Tudo bem, presidente?! Esta tranquilidade deve-se ao livro ou à ausência de tantos bajuladores de outrora? Respondeu-me através de um sorriso alentador, acenando para os dois motivos.

Há alguns anos, a caminhada matinal da Beira-Mar da cidade era feita num cortejo diário ao ex-presidente por vários gerentes que o acompanhavam em sua cadência e até mesmo em seu ritmo respiratório, buscando a proximidade do poder ou somente aparentá-los a tal situação.

Nesses dias vi o ex-presidente caminhando sozinho e, numa engraçada coincidência, o novo presidente cruzou seu antecessor com o mesmo cortejo que antes o pertencia. Sorri silenciosamente perante esse quase parasitismo social a desfilar no calçadão da beira-mar.

Hoje em dia, podemos para compreender as relações ecológicas e as formas de interações biológicas no mundo natural. Programas como os da National Geographic e da série Planeta Terra, da BBC, mostram tais interações nos mais diversos biomas, sejam eles localizados nos pólos, nas montanhas, no mar, nas savanas ou nas florestas tropicais.

Da pareceria e cooperação às de antagonismo ou competição. A simbiose e o comensalismo são relações harmônicas. Desarmônicas são interações como a antibiose (princípio usado nos antibióticos, que matam ou inibem certos organismos vivos), o predatismo e parasitismo. Estratégias astuciosas se aplicam nestas relações antagônicas.

Nós, humanos, mantemos diversos modos de relações ecológicas e interações com os demais de sua espécie, com outras espécies e com seu próprio habitat. 

O ambientalista José Lutzenberger dizia que a população humana vem se comportando pior do que o pulgão no tomateiro. O parasita vive no corpo do hospedeiro, do qual retira alimentos. O pulgão se reproduz até matar a planta hospedeira. Assim estamos nos comportando como parasitas da Terra, donde se nutre, consome matérias primas e energia. 

Mas a natureza pode assumir a face da mãe Kali. Ela é a verdadeira representação  da natureza e é também considerada por muitas pessoas a essência de tudo o que é realidade e a fonte da existência do ser. Numa reedição da expulsão do paraíso, nossa espécie corre o risco ser banida do planeta que a hospeda, conforme sugere James Lovelock, o autor da teoria Gaia, que prevê a redução da população humana a tão somente um bilhão de pessoas ao final deste século XXI.

Aristóteles já dizia que o homem é um animal político e assim o sendo, as formas de interações correspondentes às biológicas e ecológicas se reproduzem nas relações políticas, sociais, econômicas e afetivas.

A consciência e a ação ecológica podem fazer-nos evoluir conscientemente numa relação comunitária e colaborativa. O ser humano sustenta a natureza e, por sua vez é por ela sustentado. Simbiose implica cooperação, coevolução do ser em seu ambiente. Aplicado na ecologia industrial, o conceito supõe que existam interações lucrativas entre empresas de vários setores, pelas quais recursos tais como a água, a energia e materiais provenientes de uma indústria são recuperados, reprocessados e reutilizados por outras.

Portanto, nesse polinômio contextual, escalemos nossos muros, sem puxar o outro pelo rabo. Ajudemo-nos reciprocamente e seremos mais felizes!

Luiz Lopes Filho, 18 de março de 2013

sexta-feira, 8 de março de 2013

Curicaca



Nesta semana, já chegando no trevo em Santa Quitéria a caminho de Reriutaba, meu pai lembrou-se de seu cumpadre. Sempre o mesmo refrão quando percorremos esta rodovia:

 - O Cumpade Antônio Mororó me dizia que asfalto entre Santa Quitéria e Reriutaba só depois dele morrer. E agora taí, asfalto bom, menos de uma hora de viagem. Naquele tempo de Jeep nestas carroçais e ainda mais com as pedras do Trapiá, levávamos mais de 3 horas e ainda com prejuízo da descarga quebrada nas pontas de lajedo.

- Puxa, pai...toda vez a mesma história, falava-lhe sorrindo.

- O Cumpade Antônio Mororó guardava às vezes as mercadorias do Curicaca na sua oficina por favor ao velho mascate e ficava com medo da procedência das mesmas, apesar do Curicaca dizer que era da viúva.

- Pai, quando foi que o Curicaca morreu?

- Ah, acho que já faz mais de dez anos. Estava na calçada da farmácia do Assis e já caíu morto. Era um sujeito honesto, apesar da fama de vendedor esperto de bugingangas e tudo mais.

- Morte súbita? Coração? AVC?

- Acho que sim.

O João Carlos Pilão contava umas do velho Curicaca. Dizia que uma vez foi pego na Praça da Lagoinha em Fortaleza com umas mercadorias sem nota e a guarda municipal o deteve. Mas, com sua esperteza e facilidade em fazer amigos, o velho Curica conhecia um capitão que logo o acudiu.

Após solto, permitiram-lhe levar suas mercadorias apreendidas que não eram tantas.

- Pode dizer quais são suas coisas! Disse-lhe o guarda de plantão ao devolver o material apreendido.

- O Curicaca logo apontou: isto, isso, aquilo, aquilo acolá e tudo mais. Voltou a Reriutaba com o dobro do estoque.

Uma vez meu pai havia comprado uns chocalhos em Fortaleza para vender em seu comércio. Arrependeu-se, porque achava difícil revender aquele tipo de coisa. Lembrou-se logo do Curicaca para repassar pelo mesmo preço.

O Curicaca ofereceu logo na primeira esquina na mercearia do Seu Demazim ao que lhe retrucou:

- Onde foi que tu arrumou isso, nego sem-vergonha?

- Foi da viúva, é mercadoria limpa! No mesmo dia, meu pai recuperou o dinheiro empregado nos chocalhos e deu o lucro ao ambulante famoso da cidade.

Naquela época havia cerca de dez engraxates na cidade. O Curicaca era um deles, quando não se dispunha de quinquilharias para vender pelas ruas da cidade. 

Certa vez, o Curicaca se viu preocupado com o trabalho honesto. O Rubian era seu concunhado e tinha uma pequena fábrica de bolsas, malas e afins na capital. Confiou ao Curicaca a revenda de muitos produtos pela zona norte, principalmente Reriutaba. Numa semana revendeu tudo, deixando alguns produtos de sobra na oficina do seu Toim Mororó.

- Lulu, agora não posso tirar meu "sonim" na calçada da estação. Fico preocupado de alguém meter a mão no meu bolso e levar o apurado! Acabou-se minha tranquilidade! Vou deixar de vender muita coisa e ter muito dinheiro comigo! Prefiro vender as coisinhas da viúva.

Assim era nosso ambulante Curicaca que cheguei a conhecê-lo muito bem na década de 80 e sempre dizia quando uma coisa não era lá tão certa: “Meritri di Trorion!”  (corrijam-me se o termo era realmente este)

E foi em homenagem ao esperto vendedor que nosso saudoso Toim do Filemón, nosso Mestre Piru compôs a marchinha de carnaval reriutabense:

“A nossa irmandade não tem crente de verdade; ninguém mais quer ser ovelha, todo mundo só que ter carneiro para brincar na sua raça agora em fevereiro. Primeiro o Curicaca, segundo o Venceslau. Quero ver o pastor e a patota pulando o carnaval......E o Curica, Merichide Trorion..!!!! Na realidade a composição era bem mais rica, pois não mais a recordo.

Como não tenho uma foto do folclórico e saudoso Curicaca, resolvi postar a foto da ave que lhe deu nome: A curicaca é uma ciconiforme da família Threskiornithidae. Seu nome é onomatopeico, semelhante ao som de seu canto, composto de gritos fortes. Conhecida também como despertador no Pantanal, carucaca, curicaca-comum e curicaca-branca.



Homenagem ao engraxate Curicaca que sempre foi simpático com a criançada da época.



sábado, 2 de março de 2013

FAVA ENVENENADA


Recebi de meu amigo Lucídio Leitão uma mensagem bem nordestina que expressa o cheiro de chuva no massapê seco e que nos faz lembrar causos engraçados de nossa terra. 

Mas a princípio, gostaria de descrever o Lucídio. Antes de colega de trabalho, um amigo que sabe cativar pela sua presteza, fraternidade e bom humor. Antes de capacitado engenheiro mecânico,  também é eletricista e civil, pois em suas obras, projeta cada detalhe como um exímio artesão. Antes de bom cavalgador de burra, um excelente vaqueiro e isto se mede na quantidade de troféus. Só perde para seu filho, Tiago Leitão. 


Burra do Lucídio - Aquiraz-CE

E porque não dizer de seus dons culinários. Visitar seu sítio no Aquiraz é um fazer um passeio gastronômico: do porco torrado ao carneiro guisado; do peixe dourado ao capote na lata; do torresmo sequinho ao baião com nata. 
E para conversar com os amigos, deixa na sua cozinha substitutos à altura como os cheffs Totô, Abílio e até o Faustinho.

Saindo  do  trabalho


Eis a mensagem que recebi deste engenheiro vaqueiro:

Hoje, no intervalo do almoço, estivemos, eu, o Gonçalo, o Expedito e o Evandier, conversando sobre as coisas do sertão e daí saiu a conversa sobre as comidas regionais e nessa ocasião se falou sobre Fava com toicinho e mocotó de porco.

De imediato recordei de um arroz que o Gonçalo me trouxe da Várzea Alegre, da sua lavra, o qual eu comi com fava, inclusive cheguei a registrar o momento em que iniciei o fazimento desses pratos (na garrafa verde tá o arroz do Gonçalo e na transparente a fava).



Também nesse momento me veio a mente o conto da Fava Envenenada relatada num cordel dos bons, embora esse relato não tenha nada a ver com a fava por mim preparada, vejam abaixo. Muito engraçado.

A FAVA ENVENENADA :

EU PRA MUDAR O CARDAPIO
SAI CEDINHO PRA FEIRA
COMPREI DOIS KILOS DE FAVA
GRAUDA  E CONZINHADEIRA
MANDEI BOTAR NA PANELA
COM PÉ DE PORCO E COSTELA
E ELA FICOU DE PRIMEIRA

                 *
LA PELAS DOZE DA  NOITE
EU COM FOME DANADA
BOTEI OS PRATOS NA MESA
CHAMEI LOGO A FILHARADA
TAVA UM CHEIRO DE PIQUI
EU DISSE SÓ SAI DAQUI
DEPOIS DE UMA BARRIGADA

              **
O MEU MENINO CAÇULA
SE VECHOSSE COM O CHEIRO
PORQUE A  MINHA SENHORA
CAPRICHOU BEM NO TEMPERO
ELE QUE É BEM CALADO
MAS NAO SE FEZ DE ROGADO
COMEÇOU  COMER PRIMEIRO
      
               ***
NA PRIMEIRA  COLHERADA
O BAIXIM FICOU ZANOI
LEVOU AS DUAS MAOS NA BOCA
EU  PREGUNTEI O QUE FOI?
UM DISSE É PORQUE TA QUENTE
OUTRO MAIS ESPETIMENTE
DISSE É PIMENTA DO MÔI
               ****
DISSE EU DEIXA COMIGO
QUE VOU SABER O QUE É
MAS QUANDO COMI UM POUCO
FIZ TAMBEM UM RAPAPÉ
COMECEU A PASSAR MAL
A FAVA AMARGAVA IGUAL
 A CABACINHA E COITÉ

         *****

MANDEI BOTAR NO CHIQUEIRO
O PORCO TRAVOU O FOCIM
AS GALINHAS FOI EMBORA
MEU CACHORRO LEVOU FIM
A GATA PERDEU A CRIA
A ONDE O CALDO CAIA
MORREU ATÉ O CAPIM
        ******

E DEPOIS  DO CAPIM MORTO
VEIO UMA VACA QUE COMEU
CAIU EM CIMA DO RASTRO
ATÉ URUBU MORREU
EM CASA FOI UM LAMENTO
O COITADO DO JUMENTO
CEGOU MAIS SOBREVIVEU

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O RESTO DA FAVA CRUA
EU  JOGUEI LA NO TERREIRO
MEU VIZINHO LEVOU PRA CASA
E PLANTOU NO TABULEIRO
DIZ QUE É BOA QUE VENO
NUNCA MAIS  COMPROU VENENO
TA MATANDO É FORMIGUEIRO
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MEU CAÇULA HOJE É RAPAZ
JA TA TRABALHANDO FORA
LAÇA GADO AMANSA BURRO
CORTA O BRUTO NA ESPORA
COM LICENÇA DA PALAVRA
SE ALGUEM FALAR EM FAVA
O COITADO TREME E CHORA

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PRA LHE FALAR A VERDADE
A COISA TÁ RUIM AGORA
SE CHEGO EM CASA COM FAVA
A MULHER QUE ME ADORA
POR MAIS QUE ESTEJA FELIZ
FICA TRISTE CHORA E DIZ
VALEI -ME NOSSA SENHORA !!!!