domingo, 24 de fevereiro de 2013

Minha Rua

Minha Rua

Rua 25 de Setembro


Para mim, começava na esquina da Dona Artemísia e terminava na farmácia do tio Assis. Muito embora estendesse seus limites até a praça do Ivan Rego, a rua 25 de Setembro, no meu horizonte infantil, limitava-se a tão somente uma quadra.

A casa da Dona Artemísia era a mais bonita, com jardim, mureta com detalhes em alto-relevo e combogós à meia-altura. Quase nunca entrava lá, permanecia a maior parte do tempo fechada, talvez por ela trabalhar nos Correios o dia todo. Era uma senhora viúva, muito amiga de meus pais que gostava de contar piadas de grosso calibre. Somente quando fiquei adulto é que realmente a conheci melhor, seja porque nunca deixou de enviar um telegrama dando os parabéns a meu pai em seu aniversário, seja porque aproveitava cada dia de sua vida viajando pelo exterior e retornando a Reriutaba com alegria no rosto e piadas pesadas na voz. Nada que prejudicasse sua reputação e respeito, mas que servia de elo para tornar-se mais próxima dos jovens. Dona Artemísia foi morar em Fortaleza e hoje sua casa passou a ser habitada pelo Dr Delfino, um veterano dentista da cidade.

Vizinho à Dona Artemísia, seguiam-se casas mais simples. Uma delas de apenas uma janela e porta na fachada era a de Seu Chico Miraíma, antigo vigia do comércio, cuja braveza era representada pelo seu apito e um velho cacetete. À tardinha, ouvia-se de seu interior a voz estridente do cantor Raimundo Soldado sintonizada na rádio Tupinambá de Sobral.


Acho que havia uma casa fechada entre Seu Chico Miraíma e a carpintaria de Seu Tito. Era lá que ía sempre, coletar pedacinhos de madeira para fazer um brinquedo, um carro de madeira ou para assistir à confecção de um caixáo de defuntos. Logo que se iniciava o badalar do sino da Igreja, sabíamos que alguém havia morrido e que  Seu Tito iria atender a uma encomenda: um caixão de defuntos. Ele ía na casa do finado, tirava suas medidas e então iniciava a feitura do armário horizontal. Primeiro serrava a parte dos fundos em forma de losango chanfrado, depois fazia as laterais e a tampa. O tecido, para envolver a armadura de madeira e que servia como acabamento final, comprava na loja do Seu Chaguinha Cabaceira. Se o morto fosse adulto, geralmente era todo preto com uma cruz branca na tampa. Se fosse criança, geralmente era azul. Eis o motivo de se nominar velhos fuscas azuis-claros com o nome: “da cor de caixão de anjo”. E nesse cenário, lá estávamos eu e meu primo James de olhos abertos, envoltos de curiosidade e de muito medo. Mas, tirando este cenário fúnebre, Seu Tito era um senhor sereno que gostava de nossa presença e nunca brigava conosco por estarmos ali catando pedaços de madeira.


Depois do Seu Tito, seguia-se a casa de Dona Totonha, uma senhora de seios fartos, esposa de Seu Zé Rocha e mãe de uma tal de Graças. Acho que somente ouvia o ralhar da Dona Totonha com a rebeldia dessa filha. Somente lembro disso. Dona Totonha foi-se embora, Seu Zé Rocha ainda percorre lentamente nossa rua e a tal de Graças, numa mais ouvi falar. A casa recebeu novos moradores. A Aurinha e seu esposo Manel Pé Seco. Motorista exímio, pai de duas crianças que também gostavam de minha Tia Antonieta: eram o Márcio e a Kênia. Infelizmente, o Manel partiu cedo deste plano e sua esposa foi morar em Fortaleza.

Vizinha à Aurinha, estava lá a casa que mais gostava. Era a da tia Antonieta. Viúva de meu tio Benedito, irmão de minha avó materna, tinha cinco filhos. Era para lá que corria após o almoço para ouvir histórias de assombração, na hora do café das duas para subir no pé-de-goiaba e, à tardinha, para matar azulões, rolinhas e tantos passarinhos mais. Se fosse hoje, certamente estaria condenado à prisão perpétua por este dano ecológico com minha espingarda de pressão. Minha Tia Antonieta sempre teve um amor materno por mim e pelas minhas irmãs. À noite, quando minha mãe saía para o Colégio, onde era professora durante todo o dia, ficávamos na casa da Tia Antonieta que nos acolhia em seu colo e contava histórias de trancoso, umas engraçadas e infantis, mas vez por outra, deixava-nos com os olhos esbugalhados de tanto medo.

Depois da casa da Tia Antonieta, seguiam-se duas casas gêmeas: a do Seu Joaquim da padaria e a minha. Foram casas construídas na mesma época e com fachadas e plantas idênticas. Apenas as cores distinguiam as duas moradas. Até dois pés de algaroba adornavam suas frentes e  serviam de uma agradável sombra ao meio-dia. Suas calçadas também eram de um mosaico antiderrapante de cor cinza. Costumava também frequentar a casa do Seu Joaquim quando sua esposa, Dona Ritinha derretia a nata do leite e fazia manteiga da terra, restando a chamada “borra”. Achava uma delícia esta tal de borra.

Lá em casa, gostava mais do quintal, onde costumava fazer várias casas de alvenaria em miniatura e estradas na mesma escala para brincar a tarde toda. Se não estivesse no quintal, certamente estaria em cima do telhado, seja atirando em calangos, lagartixas ou fazendo medo às minhas irmãs, quebrando telhas e criando goteiras para o próximo inverno. Mal sabia o papai o motivo de tantas goteiras com as primeiras chuvas. Afinal, já sabia a quem atribuir a culpa: aos gatos que infestavam as casas daquela época.

Depois lá de casa, seguia-se por cerca de 20 metros, inúmeras portas do armazém do Seu Luís Taumaturgo. Era lá onde se armazenavam as safras da castanha-de-caju, do algodão, da oiticica, do caroço de algodão, da cera de carnaúba. Puxa, como minha cidade era auto-suficiente de produção. Havia uma atividade econômica que dava sustentabilidade a tantas famílias. Hoje não vejo mais isto. Tudo o que a cidade consome vem de fora, embalado e com código de barras.

Somente depois dessas portas, avistavam-se os pés de Benjamim da Dona Abigaíl. Ah, antes havia a casa do Seu Tomé, um senhor já idoso que ficava sentado na calçada com seu cajado ao finalzinho da tarde. A casa da Dona Abigail já era mais alegre pela presença dos filhos. Sua vizinha era a Quita, esposa do Gerardo Nel, nosso parente. A Quita sempre foi polêmica, mas o Gerardo Nel era mais convidativo, que gostava de sentar-se à noitinha juntamente com vários frequentadores: meus pais, o tio Deusdedit, o tio Assis e quem mais ali passasse. Quando não terminava em teimosias, terminavam a noite em gargalhadas.

Minha rua então já terminava, fechando a quadra com uma portinha da farmácia do tio Assis, a oficina do Seu Antônio Mororó e pela própria farmácia que primeiramente pertencera a meu avô paterno, José Calixto.

A oficina do Seu Antônio Mororó era também local bom de se visitar, pois criança gosta de fogo, de novidade e era ali que ficava vendo como o Laércio derretia uma joia de ouro ou atendia a uma encomenda de alianças para os noivos. Ali seu Antônio Mororó passava tardes com seu binóculos consertando relógios. Eram profissionais inseparáveis. Partiram também cedo e hoje a velha oficina abriga uma venda de frangos abatidos.

À frente destas casas, oficinas, carpintarias e armazém de minha rua, estava lá a linha férrea, companheira eterna de minha infância. Sempre subia aquele talude para empinar pipas, para jogar bila (bila ou bojo, triângulo, linha do fona: termos da época) ou para riscar o chão molhado em brincadeiras de triângulo. Era uma haste metálica que jogávamos no chão, tentando prender por linhas riscadas no solo o adversário. Nunca mais vi crianças brincando deste tipo de coisa.

Motivo de espera e atenção para todos, especialmente para as crianças de minha época era a passagem do trem de passageiros. O chamado “horário”. Geralmente passava às 13 horas. Vinha de Crateús em direção à capital. Logo ao meio-dia começavam passar as rurais, jeeps, corcéis e outros carros de frete. Pegavam-se  passageiros que os fretavam para concluir a viagem para as zonas rurais e distritos mais afastados da cidade. Com o trem, juntavam-se moleques de ruas, vendedores de roscas, tabuleiros de pirulitos, carrinhos de picolés. Também havia vendedores de picolés-de-saco, o tal dim-dim; estes, caseiros com sabores mais diversificados: coco queimado, cajá, graviola ou peroba, assim chamávamos o maracujá . Lembro-me que havia uns três carrinhos de picolés do Seu João Gildo. Morango, goiaba e baunilha. Às vezes só havia estes três sabores. E era muito bom! Muito melhor que os Kibons de hoje em dia. Atualmente, trens só cargueiros, nada de passageiros!

Cargueiro transportando gigapneus para o Pará

Nesta foto, vê-se a estação ferroviária de Reriutaba, quando eu percorria um troller ferroviário de Sobral a Ipu numa inspecção de engenharia.

Ao final do dia, juntavam muitos meninos e íamos jogar bola na estrada de areia que ficava atrás da linha férrea. E haja briga, puxão de cabelo, pedra atirada e tudo mais quando se discutia um gol feito ou não.

Tempo bom de uma infância interrompida tão bruscamente pela minha partida para estudar em Fortaleza. Nunca mais tive a serenidade na alma nem a paz nos meus dias, seja pela rotina, pela insegurança dos tempos atuais. Ah, que saudades que tenho de minha infância querida, da aurora de minha vida, que os anos não trazem mais e que os anos não trazem mais. Agora plagiei o Cassimiro:


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus
— Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
................................
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

Fortaleza, 24 de fevereiro de 2013
Luiz Lopes Filho.




domingo, 17 de fevereiro de 2013

Quaresma


Quaresma

Não me recordo de ter participado em toda minha vida de uma Missa de Cinzas, cedinho após estes dias de folia.

Mas aconteceu este ano pela primeira vez. Fiquei preso aqui no Porto das Dunas, seja por comodismo, seja por não me arriscar com resquícios de lúpulo e cevada da noite anterior. Foi uma folia familiar, sem exageros. Talvez por isso que tenha ido na 4ª feira de cinzas à Capelinha de São Francisco aqui ao lado do estacionamento do Beach Park. Por sinal, uma igreja que retrata o paradoxo social da comunidade local. Igreja singela, frequentantes nem tanto. O puro retrato da simplicidade sanfranciscana, com piso em cerâmica simples, paredes em pintura à base d’água, telhado aparente com ninhos de pardais decorando seus caibros e ripas. Estes são os reais inquilinos da capela que tem a proteção de seu dono, São Francisco. Por este motivo, torna-se um templo tão especial.

Hoje a capela encontra-se em reforma, não por se buscar mais pompa, mas tão somente por melhorar a segurança do telhado que já não suporta mais uma chuvinha por completo. A Capela de São Francisco pede ajuda à comunidade de Aquiraz e também aos moradores de finais de semana do Porto das Dunas para que a reforma se conclua o mais rápido possível e tenha a simplicidade e funcionalidade condizente com os dogmas sanfranciscanos.

Mas, voltando ao cerne do assunto (by the way), a Quaresma é o tempo litúrgico de conversão, que a Igreja marca para nos preparar para a Páscoa. É tempo para meditarmos, prometer minimizar nossas falhas e buscar sermos melhores e mais solidários e, assim, sentirmo-nos mais próximos a Jesus.

Lembrei-me até do Padre Luís, meu professor de Português, Ciências Biológicas e de Puericultura. Já pensou? Até isso o currículo do Colégio Militar previa a seus alunos de primeiro grau. Era meu professor Padre Luís que sempre nos dizia: Vamos rezar e não prometer que nunca mais vamos pecar. Digam somente isto a Jesus; - “Jesus, prometo diminuir meus pecados!”  Nunca me esqueci disso e também como gostava desse refrão: “ Prometo diminuir meus pecados”.

A Quaresma dura 40 dias, começando na Quarta-feira de Cinzas e terminando no Domingo de Ramos. Neste caminho, tentamos estilizamo-nos como filhos de Deus, distanciando-nos das coisas materiais. Mas como conciliar estes duas coisas tão divergentes? Se temos que pagar o IPVA, o IPTU, matrículas das escolas, compras do final de ano no cartão de crédito e tudo mais? Infelizmente não podemos cortar este link com o viés material, mas podemos filtrar a ambição e dar lugar à serenidade do cumprimento de nosso trabalho, sem desmedidas concorrências em detrimento da estabilidade do próximo, do colega de trabalho, do concorrente do mercado.

A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa luto e penitência. É um tempo de reflexão, de penitência, de conversão espiritual; tempo e preparação para o mistério pascal.

Na Quaresma, Cristo nos convida a mudar de vida. A Igreja nos convida a viver a Quaresma como um caminho a Jesus Cristo, escutando a Palavra de Deus, orando, compartilhando com o próximo e praticando boas obras.

Por isso, a Quaresma é o tempo do perdão e da reconciliação fraterna. Cada dia, durante a vida, devemos retirar de nossos  corações o ódio, o rancor, a inveja, os zelos que se opõem a nosso amor a Deus e aos irmãos. Na Quaresma, aprendemos a conhecer e apreciar a Cruz de Jesus. Com isto aprendemos também a tomar nossa cruz com alegria para alcançar a glória da ressurreição.

A duração da Quaresma está baseada no símbolo do número quarenta na Bíblia. Nesta, é falada dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias e Moisés e de Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de começar sua vida pública, dos 400 anos que durou o exílio dos judeus no Egito. Na Bíblia, o número quatro simboliza o universo material, seguido de zeros significa o tempo de nossa vida na terra, seguido de provações e dificuldades.

No início deste texto, lembrei-me dos comentários do padre sobre nossa penitência e nosso jejum, alertando-nos que não se precisa aparecer, dizer que foi à missa de Cinzas, dizer que está rezando, dizer que é bembomzinho para todos. Temos que sê-lo somente para Jesus e não mais para ninguém. Pois, como diz meu amigo carequinha William Citó: Só quem é Bembomzinho é Jesus.

Pensei em abster-me d'algo que para mim fosse algum sacrifício nestes 40 dias: deixar de tomar um chopp, deixar de apreciar um bom vinho à noitinha, deixar de comer um BigMac ou uma coca bem geladinha. Coisas desse tipo. Mas, grande coisa! Não é preferível fazer uma caridade a alguém que necessite a jejuar como faziam os fariseus e a se penitenciar gastronomicamente?

Senti-me um fariseu dizendo que fui à missa de 4ª feira de Cinzas, mas não foi nesse intuito minha mensagem, foi exatamente para alertar a melhoria de nossa alma para conosco e para com o próximo, sem hipocrisias deste ínterim religioso.

Mas, apesar de todas as boas qualidades, um fariseu continua sendo um fariseu, ou seja, um homem com má reputação. Por quê? Além da característica mais marcante de um fariseu, que Jesus mencionou muitas vezes – a hipocrisia –, ainda havia outra coisa que era própria de um fariseu: sua grande erudição, seu enorme conhecimento. Não que isso seja algo ruim. E devemos salientar tranqüilamente que os fariseus de fato eram letrados – homens muito cultos e exímios conhecedores das Escrituras. É dito, por exemplo, de Gamaliel, um dos maiores fariseus daquele tempo e mestre do jovem Saulo de Tarso: "Mas, levantando-se no Sinédrio um fariseu, chamado Gamaliel, mestre da Lei, acatado por todo o povo..." . Segundo tradições judaicas, esse Gamaliel até era chamado de "o esplendor da Lei". Mas era justamente isso que fazia com que os fariseus se tornassem fariseus. Pois, ao invés dessa enorme erudição conduzi-los à verdade, grande parte deles seguia por um caminho totalmente errado. Tanto é que Paulo, o maior fariseu de todos os tempos, reconheceu esse fato, pois escreveu aos coríntios: "O saber ensoberbece, mas o amor edifica". Os fariseus realmente tinham grande conhecimento, mas justamente por isso se tornaram hipócritas e cheios de si, pois lhes faltava o amor ao próximo.

Continuemos então nossas vidas, pois depois da Quaresma, vem novamente a Páscoa, o Sábado de Aleluia, o Apedrejamento de Judas pelos nossos queridos rincões interioranos,  vem as Festas Juninas, a Festa de Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro de minha Reriutaba e, aí o ano desce rapidamente a ladeira no rumo do Natal e do Reveillon e, tudo começa novamente.

E aí vem meu dileto escritor Mário Quintana com a verdade que lembramos a cada ciclo e que plagiei sem o significado maléfico da palavra.

“Quando menos se espera já é meio-dia, já é dezembro e janeiro novamente e então já se foi grande parte de nossas vidas. Vivamos hoje” 

(Luiz Lopes Filho, plagiando sadiamente Seiscentos e Sessenta e Seis de Mário Quintana) que ora hachuro acima com admiração e respeito a este mineiro poeta.

Seiscentos e Sessenta e Seis

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos…
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio,
seguia sempre, sempre em frente...
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Luiz Lopes Filho
Aquiraz, 17 de fevereiro de 2013

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Carnavais passados



Mais um carnaval se inicia e hoje repassei em meus arquivos fotos de velhos carnavais que valem serem revistas. Não pelo saudosismo, mas porque carnaval é alegria, desprendimento, amizades, comemoração, família e, também responsabilidade. E é isto que desejo a todos: muitos carnavais pela frente, todos historiados com alegria!

Espero que todos tenham a alegria e a responsabilidade caminhando juntos, sem brigas, sem velocidades, sem exageros etílicos.

Um feliz e sadio carnaval, seja em Fortaleza, no Brasil todo e, principalmente em Reriutaba.

Reriutaba: Felipe Aguiar, Mardônio, Luiz Filho, Paulo Juvenal, Luiz Filho, Zé Carlos, Tarciano, Zé Jr e James

Aracati: Pontes Neto, Robério, Luiz Filho e Flávio Reis

Ilhas Margaritas: Fujita, Ary, Régis e Luiz Filho

Reriutaba: Marcelo, Ligiane, Marfisa, Aguiar, Aída, Luiz Filho 

Reriutaba-Oitizeiro:Tarciano, Galeno e Assis Jr

Reriutaba-Sítio 2012:Tio Evandro, Mamãe, Luiz Filho, Tio Zé Antônio e Papai

Reriutaba-Puas de Ouro:Felipe, Mardônio, Tarciano, Zé Carlos, Luiz Filho, Zé Jr e Marcelo


Reriutaba-Bar Luiz Jr: Chico Basil, Joaquim e Antônio do João Coelho


Reriutaba:Zé Jr, Marcelo, Luiz Filho e Tarciano


Salvador: Luiz Filho e Luana Piovani- Bloco Coruja


Reriutaba:Galeno e Luiz Filho - Bloco do Cebola 2011


              Reriutaba:Cláudio, Marcelo e Luiz Filho - Bloco do Cebola 2011


Fortaleza, 08/02/2013 - Luiz Lopes Filho




Buchecha


Buchecha

Viajei para Reriutaba na 3ª feira, cedinho, por volta das cinco da manhã. Peguei meu primo no apartamento dele e rumamos à nossa cidade.

Lá chegando, tossindo muito, abracei meu pai;  ele  abençôou-me e, instantaneamente, passei direto para meu quarto no pavimento superior. E, como não fazia isto costumeiramente, despertou logo a preocupação dele.

-O que será que meu filho tem? Tossindo tanto, calado, quase não conversou! Este foi seu pensamento que ouvi bem nitidamente.

Deitado na minha cama, preocupado até mesmo com aquela tosse que não me cedia espaço para respirar, ouvi o lento passo dele galgando cada degrau da escada.

– Luiz, o que você tem? Tá doente?

– Não, pai! Somente esta tosse mesmo e cansado da viagem. Mas, não. Também tinha minhas preocupações do trabalho, dos compromissos, do dia-a-dia.

No outro dia, como adormeci por volta das vinte e uma horas, cinco da manhã já me deparei com a mamãe na sala me esperando para ir ao sítio. Havia comprado em Fortaleza umas tintas, umas lâmpadas para serem  substituídas e outros adereços para nosso espaçozinho do pé-de-serra.

Flores lá de nós

Lá chegando, vi nosso caseiro, o Sérgio Buchecha. Sorridente, tranquilo, pintando na sua calma o portão do sítio. Vez por outra, passava a mão na cara para espantar uma borboleta amarela.
– Sérgio, e aí? Tudo bem? Tá de moto nova! Que bom, dirigi-me a ele.
– Oi, dotô, tá tudo bem. Se melhorar, estraga! Dizia, inclinando o rosto para cima.

Também pudera: sem preocupação com contas, com saúde, com previdência, com empregados, com impostos! Que vida boa essa do Sérgio, pensava eu nos meus absortos. Tudo bem que fosse sacrificado financeiramente, morando numa simples casa, sem mimos nem tecnologia, sem espaço nem ambições.

Ah, aí estava então o segredo de sua felicidade! Sem ambições, mesmo que as fossem sadias. Sem preocupação no amanhã! Que vida boa essa do Buchecha, prosseguia em meu pensamento numa momentânea e sadia inveja.

Hoje, lendo um artigo que minha mãe enviou-me por email, lembrei do Buchecha e de tantas outras pessoas que são felizes apenas com o básico do básico, com o respirar e um pouco de pão, com o alvorescer e um gole d’água. Essa era a riqueza do Buchecha.

No artigo do Frei Beto, contextualiza-se o modo de viver do Buchecha num total paradoxo a(o) inteligente, esbelto(a), rico(a) e apressado(a) executivo que passa fisicamente vivo e espiritualmente morto nos hall de nossos aeroportos.  Vejamos então:

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.
Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam.
Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente.
Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:
'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'.
Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'.  'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...'
'Que tanta coisa?', perguntei.
'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada.
Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!
Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias!
Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!'
Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...
A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.
Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!'
O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse. Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno.
Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno...
Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald’s...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:... "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser Feliz"!!

Fortaleza, 08/02/13
Luiz Lopes Filho (prólogo) e texto de Frei Beto.