quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Seu Firmino


Seu Firmino

Ontem fui com papai e mamãe ao centro, pois já estava com saudades após tão somente quinze dias que passei no exterior. Não posso ficar mais que 10 dias sem cortar o cabelo. Por isso mantenho meu costume de ir ao centro, visitar o Salão Presidente e depois  comer um pastel de carne com caldo-de-cana no Leão do Sul. 

Também gosto de levar meu pai, para melhorar seu bom humor quando está aqui em Fortaleza. Na volta do centro, fiquei muito triste quando minha mãe me noticiou sobre a partida do Seu Firmino, não de trem como tantas e tantas vezes o fez, viajando entre Reriutaba e Fortaleza, mas para uma viagem mais longa: para a eternidade. Seu Firmino foi embora para o Céu!

 Nunca soube seu nome completo e nunca procurei saber, talvez porque o simples chamado “Seu Firmino” já se convertia em sinônimo de honestidade, dignidade, amizade, humildade e perseverança. Seu Firmino era um homem trabalhador e, acima de tudo um grande prestador de favores à comunidade reriutabense. Sua família era somente Dona Cecília e sua filha, Cristina quando moravam em Fortaleza. Após anos e anos trabalhando nas feiras de Reriutaba e Araras, passou a morar em Reriutaba na antiga casa do Seu Filemon ali na Rua 25 de Setembro, porém continuou a viajar para Fortaleza em busca de seus produtos na Ceasa em Maracanaú. Por falar nisso, sempre costumava citar o trocadilho com os meninos de nossa rua, pedindo para pronunciarmos bem ligeiro: "Macaraú-Maracanáu-Macaraú". 

              Gostava quando lhe perguntávamos se havia chovido em Fortaleza porque já de pronto tinha sua resposta, movimentando o dedo polegar subitamente para trás: - O Senhor que saber se choveu em Fortaleza? Onde? no Centro, na Aldeota, no Álvaro Weyne ou no Montese? Depende......Fortaleza é muito grande...! E passava a sorrir com áurea de bom conhecedor da capital.

Nas décadas de 70 e 80 não havia meio mais eficiente e rápido de enviar encomendas e cartas para Fortaleza senão pelas mãos do Seu Firmino. As famílias que tinham filhos estudando na capital pediam-lhe para que levasse cartas, quilos de carne de gado (geralmente chã-de-dentro), camarão-sossego pescado no Açude do Araras, queijo, batidas, alfinins e nosso bacalhau chamado Jirigóia, um peixe seco ao sol que era muito barato para seu bom sabor.

Para receber as encomendas na 2ª feira pela manhã, íamos até a lanchonete do Seu Chico Gomes, situada na Praça da Estação, quase esquina com Rua Castro e Silva. Seu Chico Gomes também era de Reriutaba e morava com a família naquela área até meio imprópria para uma residência familiar, pois ali se amontoavam por toda a Castro e Silva inferninhos e prostitutas que vagavam pelas ruas sujas e perigosas.

Quando criança tinha medo de ir pegar estas encomendas, pois havia bêbados, mulheres maltrapilhas e tudo mais da mundana vida de centro de capital. Nas entradas dos bares, piscavam ainda caixas de som coloridas que se esqueciam da presença da 2ª feira e que continuavam entoando suas melodias de cabarés.

Quando chegava na lanchonente do Seu Chico Gomes situada na Praça da Estação, próximo à Rua Castro e Silva, logo pegava meu pacote com queijo, carne e outros itens e; corria para o ponto de ônibus em rumo de casa, pois já era 1 hora e sequer tinha almoçado. Acho que a pressa não era pela fome do almoço, mas pela ânsia de ler a carta que minha mãe enviava dentro do pacote trazido pelo Seu Firmino. 

Abaixo exponho uma carta guardada que minha mãe me enviou pelo Seu Firmino datada de 1984. Telefone era muito caro e ainda tinha que se aguardar o pessoal da Teleceará para transferir a ligação para cada residência; quando muitas vezes não se lograva êxito:



Feirante humilde que adotou minha Reriutaba como sua cidade, vinha toda semana de trem. Levando fardos de batata inglesa, beterraba, cenoura e alho; embarcava na Estação João Felipe em Fortaleza com seus produtos para vender nas feiras de Reriutaba e de Araras, antigamente distrito de Reriutaba e atualmente Varjota. 

Chegava pela madrugada e deixava muitas mercadorias na Estação aos cuidados do saudoso Seu Saldanha de quem também era muito amigo. Cedinho ele estava a escolher os melhores produtos dos sacos, jogando fora os legumes estragados. Sua banca era a mais procurada, pois era o único que dispunha de batata inglesa, cenoura, beterraba, além de abacaxi, maçã e uvas. Naquela época era difícil encontrar-se bons produtos no interior. Maçã, abacaxi e uva eram itens de luxo na minha infância.

Aos sábados, após a feira se acabar por volta do meio-dia, subia a Rua 25 de Setembro, onde estava situado o depósito do Seu Firmino, antigo ponto comercial do Seu Coquim, pai do Zé Audir, saudoso amigo taxista e poeta.

Apesar de todos os sábados Seu Firmino ir almoçar lá em casa e isto já era costume, tínhamos que convidá-lo pessoalmente e esta era minha tarefa após a feira de sábado, quando o papai dizia: - Luiz Filho, vá chamar Seu Firmino. Rapidamente subia a linha do trem e cruzava a rua para chamá-lo para almoçar. Tinha uma recompensa para mim: bombons azedinha, pirulito Zorro ou pastilhas de hortelã da marca Valda.

Era o melhor almoço da semana. Na mesa com meus pais, minhas duas irmãs (na época era somente 3/5 da prole atual) e Seu Firmino. Era também bom porque no almoço havia verduras frescas, saladas de frutas e abacaxi em rodelas. Tudo da banca do Seu Firmino.

Esta narrativa contém um pouco das lembranças deixadas pelos velhos tempos de infância e que foram os capítulos iniciais no conhecer de uma pessoa tão prestativa e honesta que foi Seu Firmino. 

Esta é minha sincera homenagem ao Seu Firmino em forma de gratidão e respeito!


Fortaleza-CE, 12/12/12
Luiz Lopes Filho










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