sábado, 24 de março de 2012

Reunião em 1973 na Loja do Papai



Quem não se lembra de um velho calção estampado, de uma camisa que lhe era mais confortável, de um brinquedo mais estimado ou de uma boa história extraída de uma velha e desbotada fotografia? Muitas dessas coisas ficam filigranadas em nossa memória,.......impressionante!

Revirando velhos álbuns, deparei-me com esta foto. Àquela época uma coisa doutro mundo. O Murilo Macedo era um grande amigo de meu pai e sempre o visitava, mesmo morando já em Sobral. Pelos idos de 1973 havia realizado uma viagem à terra do tio Sam e trazia uma novidade que espantava a todos. Uma câmera Polaroid.

- Véi Luca, vou mostrar a vocês uma coisa que nem imaginam. Esta máquina tira a foto e já revela na hora!

O tio Sitônio, mesmo exímio devorador de palavras cruzadas mais difíceis (Cruzadão, Desafio e outras mais), leitor assíduo de todas as revistas Seleções onde ficava atualizado com as tecnologias recém apresentadas ao mundo pelos Estados Unidos, não acreditava naquela história, ficou emudecido com o pé apoiado num velho caixote de madeira que o papai mantinha na loja para servir de assento.

O papai, apoiado no balcão de fórmica com visores de vidro em sua estampa, ficou aguardando o zoom do amigo Murilo; O tio Assis, também não se pronunciou e o Dr Assis Martins, de camisa verde sequer virou-se, continuando sua conversa com os demais. Ah, ainda faltava o Luís Castro, prefeito da cidade naquela época, trajando uma camisa vermelha, foi o único que fez pose para o Murilo. Eu, de costas, avesso aos fatos, prestava atenção à conversa daquele grupo de amigos. Lembro-me bem daquele dia:
- Luiz Filho, a foto é sua! disse o Murilo! Olhei para a foto, para os presentes e para o Murilo.
– Saíu de onde?  De que parte da máquina? perguntei.
- Luiz Filho, saíu desta cavidade. Deixa secar um pouco que a foto fica com melhor definição, disse o Murilo.

Depois da foto percorrer as mãos de cada um, voltou a mim e ainda hoje a tenho:

Da esquerda para a direita: Menino não identificado, Tio Sitônio Calixto, Luiz Lopes (papai), tio Assis Lopes, Luiz Lopes Filho, Dr Assis Martins e Luís Castro - Fotógrafo: Murilo Macedo  

             A foto mantém ainda vivos o tio Sitônio, o tio Assis, o Dr Assis e o Murilo, mas o tempo tratou de retirá-los deste mundo.

              Restaram eu, o papai e o Luís Castro. O garoto que se apoiava no trilho vertical da porta de aço de enrolar também não sei se ainda se encontra neste plano. Lembro-me que sempre estava por ali no Mercado Público atrás de fazer algum recado, atrás de algum serviço. Talvez esteja morando no Rio de Janeiro ou mesmo em Reriutaba.

A história é simplória e pode ser esticada na imaginação de cada leitor. Era um momento, uma reunião de amigos numa pequena loja de Reriutaba, conversando o óbvio: política, saúde, chuvas, custo de vida e tudo o mais que continuamos a falar hoje em rodas de amigos.

E assim vai-se o tempo, vão-se as pessoas num infinitesimal e desapercebido instante que por aqui passam na Terra. Se a luz do Sol demora 8 minutos para percorrer 150 milhões de quilômetros até a Terra, se nossa vida dura tão somente 80, 90 ou no máximo e raros casos cento e poucos anos, estamos aqui durante um pulsar de uma estrela, talvez por tão somente 1 segundo de Planck (10-43s) em relação à magnitude do universo.

Por que temos que nos preocupar com a mancha na calça recém comprada?  Por que temos que nos irritarmos com o cara que dirige bem devagarinho à nossa frente quando justamente estamos atrasados para buscar nossa filha no colégio? Por que temos que trabalhar até chegar a noite, gastando o tempo que seria mais útil visitando os pais? Por que temos que tentar acumular um pouco mais de dinheiro com o velho conceito de melhorar a futura previdência se nem temos a certeza de que iremos utilizá-la?

Cuidado com os poucos e caros segundos de Planck que desperdiçamos com futilidades! Eis o tempo, senhor do universo. Ele manda, ele arbitra, ele não espera, ele corre na infinita velocidade da luz nos inalcançáveis trezentos mil quilômetros por segundo.


Fortaleza-Ce, 24 de março de 2011, opps de 2012!




sexta-feira, 2 de março de 2012

Bar do Seu Oliveira


Era mais ou menos neste tom a cor da geladeira do Seu Oliveira. Exibia com orgulho a robusta e antiga geladeira Frigidaire: azul bebê-turquesa: nem sei se existe tal cor nas pantallas da Coral, mas acabou de ser inserida no mostruário de nossas lembranças.

Balcão antigo, surrado, encardido e envolto de uma cinzenta camada de cera composta de poeira, gordura, suor e resto de farinha, pão, arroz, açúcar e manteiga. Quase tudo era vendido a granel na mercearia do Seu Oliveira. Até o tempo disponível para tomarmos nossa cerveja era a granel. Chegávamos por volta de dez da manhã e Seu Oliveira já ia avisando por quanto tempo a gente queria ficar mais, pois ao meio-dia fecharia, sem um minuto a mais de tolerância. Eis um tratamento que mais nos fazia fiel àquele estabelecimento!

Pela parede de fora, quatro portas se abriam para a Rua Soares Bulcão e mais duas mostravam o trânsito mais intenso da Rua Padre Anchieta. O chapisco duro, caraquento e áspero da parede da bodega tinha as marcas dos punhos do Bigode. O Bigode era uma pessoa sem muitas palavras e de pouco juízo. Sempre sorrindo, ficava a nos rodear atrás de um trocado para comprar cigarro. Exibia-se, autoflagelando-se: Colocava o cigarro em um dos buracos do nariz e tragava olhando para a gente. Depois arrastava pelo chapisco caraquento das paredes as pontas dobradas dos dedos, arrancando o pelo, a pele e deixando tudo em carne viva. Era a forma de nos chamar a atenção e de nos agradecer. Depois se aproximava e abraçava o Joaquim num sinal de respeito e encostava o rosto lateralmente em seu peito. –Bigode, tu acaba teus dedos, macho. Num faz isso, rapaz! Sempre o Massilon falava. Mas, não tinha jeito. Repetia o gesto até a dor ser superior à sua falta de juízo.


Logo cedo o Atibones ocupava o único assento disponível. Um velho cilindro metálico, container vazio de farinha de trigo que ficava encostado pelo lado de fora do balcão. Os demais que fossem ali jogar conversa fora e tomar uma cervejinha, tinham que ficar em pé.

Aparecia depois o Valderez, sujeito brancoso, rosto rosado pelo sol da Serra Grande, já que lidava com o cultivo de hortaliças; era de uma presteza ímpar. Lembro-me de que o Joaquim teria que fazer uma viagem para o interior e não tinha sacado dinheiro. De imediato, o Valderez puxou uma bola de cédulas e colocou na mão do Joaquim para ele encher o tanque do carro, o que foi rejeitado de imediato: - Tu é doido, Valderez! Muito obrigado!  deixe que eu resolvo isso ligeirim, dizia o Joaquim com seu jeito peculiar!. Foi trabalho para o dinheiro voltar ao bolso do saudoso amigo, que se denominava um apreciador de tanajura torrada com farinha. Para ele, uma iguaria ímpar!

O Adalberto da Mimosa, também era freqüentador assíduo, não somente por morar vizinho ali na Rua José Cândido , mas também por adorar as conversas dos demais. Ficava mais rindo e tragava um cigarro vez por outra.

O Chico Pinto muito chateado com as privatizações recém ocorridas inclusive no seu trabalho, alternava-se por criticar o governo e por rir do Joaquim, lembrando suas peripécias na Sexta-Feira da Paixão com o finado Osmindo pelas ruas de Reriutaba.

O Antônio Carlos Torrim também buscava alguma lembrança de Pires Ferreira, elogiava seu irmão prefeito da cidade natal àquela época e, em voz alta,” susurrava” algum comentário no ouvido de alguém ao lado. Também foi um dos amigos que se foi muito rápido.

Espero que agora o Seu Oliveira, que primeiro partiu, esteja junto a São Pedro e consiga um alvará de funcionamento de seu bar na Rua Padre Anchieta lá de cima. Pois agora, com tanta gente em sua porta se confraternizando, haja quórum para a abertura do bar. Já tinham ido o Valderez, o Seu Oliveira, o Adalberto, o Bigode, o Antônio Carlos. Agora recentemente foi embora o Atibones e então mais recentemente ainda outro amigo: O Chico Pinto. Realmente já dá prá reabrir o bar do Seu Oliveira!

Provavelmente Seu Oliveira abra suas portas para nossos amigos com o aval do Senhor e fiquem conversando sábado pela manhã num sinal de confraternização eterna.

Brincadeiras à parte, mas tão somente focalizando a saudade de um tempo tão recente, mas que já faz parte de nosso acervo memorial. Amigos de bar que já partiram! A eles nossa fraterna homenagem!

A nós, antigos frequentadores do Bar do Seu Oliveira, que continuamos a caminhada terrestre: Eu, o Massilon, o Romildo Porfírio, o Joaquim, o Professor Vitor, o Galeno, o VT  e o Cláudio Taumaturgo: Vida longa e sadia com o aval de Nosso Pai!.

Luiz Lopes Filho, 02 de março de 2012