quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Doce de Buriti



Quando criança, havia aquela expectativa de aguardar algumas delícias que o trem ou a feira nos trazia. Pelo trem, uma delas era o carro da Cobal. A antiga companhia férrea RFFSA dispunha quase mensalmente de um vagão tipo supermercado que ficava por dois ou três dias em cada estação.

O trem chegava, fazia a manobra e desconectava o vagão-mercantil no desvio quase em frente à oficina ferroviária, cujas paredes encostavam no sopé do morro donde nascia uma rua que se alcunhava de Rua da Tripa.  

O vagão da Cobal era diferenciado. De cor azul-bebê, com janelas fechadas num tom ocre pelos lados externos. Por dentro, no lugar de poltronas laterais, haviam prateleiras que se enchiam de novidades para qualquer cidade do interior, carente de produtos mais chamativos tanto em suas embalagens quanto em seus sabores.

Quando o vagão da Cobal chegava, eu tomava banho logo nas primeiras horas da tarde e esperava meu pai na calçada para irmos fazer compras naquele supermercado ambulante. Em cada prateleira surgiam a nossos olhos infantis um rótulo novo; e lembro-me bem do pirulito Zorro e do doce de leite em barra chamado Embaré.



Era uma farta alegria por tão pouco que hoje se pode concluir que a felicidade não mora na abundância que nos rodeia, mas na simplicidade e na satisfação de nosso espírito.

Outra alegria era a sexta-feira, véspera de feira em Reriutaba. Os feirantes traziam muitas frutas e doces. Entre eles, o doce de buriti e o próprio buriti prensado em forma de pamonha. O doce vinha enrolado na própria folha da palmeira e trazia entre os cristais de açúcar, grãozinhos quebrados da semente que teimavam em querer morar entre nossos intervalos dentários.

 De sabor  forte e exótico, enfartava-me deste doce que durava somente por dois ou três dias na branca geladeira Consul lá de casa. No resto da semana, desembrulhava a polpa do buriti e, num prato meio fundo despejava água gelada e duas colheres de açúcar, formando um suco mais consistente. Não era tão gostoso como o doce, mas também era muito bom e também gorduroso.

Semana passada meus pais foram visitar minha irmã que trabalha em Teresina. Logo que desembarcou, parecia que o papai trazia um presente para um filho de 10 anos de idade:
– Meu filho, trouxe um presente: doce de buriti para você!,
– Mas pai, eu evito doce, não precisava! 
Cheguei em casa e logo desembrulhei aquela caixinha de doce artesanal. 

Minha filha logo perguntou:
- Papai, o que é isto?
– É doce de buriti!
-  Doce... doce de quê?....Deixa eu provar!... Humm, gostoso!.

Surpreso com o paladar da filha de sete anos que já passou a gostar de doce de buriti, peguei uma espátula e também provei.

- Puxa!, que bom!...

Voltei ao passado e me vi, às cinco horas da tarde na calçada da farmácia do Tio Assis, comprando doce de buriti com o papai.

- Como é gostoso doce de buriti!

Lá vou me importar com um pouquinho mais de gordura ou de açúcar para voltar à minha infância em detrimento de uma pequena alteração em minhas taxas de colesterol ou triglicerídeos!

Cientificamente chamado de Mauritia flexuosa L. f, no bioma Cerrado é a espécie que caracteriza as veredas, marcante fitofisionomia da região, ocorrendo também em matas de galeria e ciliares, podendo formar densos buritizais. Para além dos domínios do Cerrado, corre em toda a Amazônia e Pantanal, sobre solos mal drenados, em áreas de baixa altitude até 1000m, sendo considerada a palmeira mais abundante do país. Produz anualmente grande quantidade de frutos, que podem ser consumidos ao natural, na forma de sucos, sorvetes, doces ou desidratados.

Em algumas cidades no Piauí, como Dom Expedito Lopes, o doce do buriti é fabricado e embalado em caixinhas feitas a partir do talo (pecíolo) de folhas do próprio buriti. Foi desta cidade que é minha prima paterna que veio meu presente.

Neste contexto piauiense e, mais propriamente, na região da Serra Grande, o buriti também é bastante apreciado, desde São Benedito, Guaraciaba até minha doce Reriutaba.

Por esta condição geográfico-social, é que gostamos do doce de buriti desde nossa infância.

Luiz Lopes Filho, 02/02/12

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