quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Educação Física na Casa da Providência


Aquela atividade escolar não me era tão atrativa, mas fazia parte do currículo escolar e tinha chamada todas às quintas-feiras.

A quadra de mosaicos tinha tons encarnados e uma forte aspereza que a tornava uma lixa dura e quente pelo calor causticante de setembro. As traves eram de tubos metálicos, formando um gol de 3 metros de largura por 2 metros de altura. Seu apoio tinha formato em “L”, o que não garantia ficar sempre em pé. Vez por outra, ouvia-se o grito: “são du mei, a trave tá virando”. Também não tinham redes, o que nos obrigava a buscar a bola quando se marcava um gol ou se chutava muito forte em linha de fundos.

Sua marca se fazia presente nos arranhões de joelhos. A ponta dos dedões dos pés também carregavam a crueldade daquela quadra esportiva, seja no brilho da salmora sobre os pés, seja nas bolhas de queimaduras sob os mesmos. Tudo pelo sacrifício de jogar futebol de salão na quadra descoberta do Colégio e Escola Normal Nossa Senhora das Graças, conhecida por Casa da Providência e que fora responsável pela educação e boa formação de muitas gerações.

Quinta séria do primeiro grau, antigo currículo escolar do MEC. Esta era minha série. Dez a onze anos de idade; corpo entroncado, humor de poucos amigos. Vestíamos um calção azul marinho de algodão com duas listras brancas de um centímetro de largura em cada lateral. No cós, elásticos compridos comprados na mercearia da Dona Tonha Luca.

Dona Tonha Luca era a irmã mais velha e, digamos, gerente do armarinho; a outra era a Dona De Lourdes, mais meiga e amável, ajudava-a a despachar os clientes. Era um prédio de seis portas, quatro portas abertas pelo galpão dos feirantes e duas voltadas para a farmácia do Seu Zé Aguiar. Possuía uma pintura amarela nas paredes externas e uma pintura à base d’água na cor azul-bebê que despontava por detrás das prateleiras entupidas de linhas, brinquedos, artigos de costura, botões e tudo mais que se pensasse em miudezas. A Dona Tonha Luca já partiu, mas a Dona De Lourdes ainda está no nosso convívio, já velhinha, mas sempre sorrindo na calçada de sua casa. Hoje o armarinho já não pertence mais à família Luca Torres, hoje é de outro comerciante. Os bens na realidade não são de ninguém neste mundo; apenas deles tomamos conta enquanto a posse circula entre mãos familiares. Mas quando é trocado por moeda, desfaz-se tão rápido como acetona ao ar livre. Dona De Lourdes gostava muito de cumprimentar-me sorrindo, de perguntar se meu pai estava bem, de perguntar se eu já tinha me casado. Acho que fazia isto apenas por carinho e por sentir saudades de minha tia Beatriz que também já tinha partido e deixara Dona de Lourdes sem companhia de conversa de calçada, já que moravam uma de frente para a outra. A tia Beatriz na parte baixa da rua 25 de Setembro e a Dona de Lourdes do outro lado da linha férrea.

Bom, mas voltando à aula de Educação Física e também à nossa farda, calçávamos um tênis preto, conhecido nacionalmente como “quichute”, cujos cadarços, de tão longos, tínhamos que dá o nó e, do restante, enrolar a sobra, dando volta nas canelas. A camiseta sem mangas era branca somente sem nenhum detalhe, brasão ou nome do colégio. Cinco da tarde, o sol baixava por detrás do muro da quadra da Casa da Providência, deixando algumas sombras na áspera e quente quadra.

Após alguns exercícios de aquecimento sob a autoridade do soldado Araújo, professor designado e recrutado do batalhão de polícia da cidade, cujo contingente ficava prejudicado pela metade nos horários de educação física, os dois melhores jogadores escolhiam seus times e, os menores ou menos aptos nos dribles, ficavam por últimos, completando as equipes.

Mediano, eu ficava como zagueiro juntamente com o Marcelo, um primo meu que mal sabia chutar uma bola e os Tatás, os únicos gêmeos do colégio; um mais calmo chamado Aldemir e outro mais peralta, o Laldemir. No meio de campo e ataque, estavam o Evaristo do Seu Salim, o Gilvan do Seu Gerardo Braga, o Massilon (não sei mais seu paradeiro, lembro que morava na Rua Siqueira Campos); o Dibiriu e o Gerardo do seu Toim Mororó. Acho quem jogava pior era o Marcelo que se distanciava da bola uns 4 metros, corria em linha reta e chutava em ângulo reto, como aqueles bonequinhos de madeira de jogo de totó. Os tatás eram gêmeos e riam por tudo, até quando sofriam um gol e, em dupla sempre levavam vantagem nas brigas que, por qualquer motivo, sempre aconteciam.

Foi num destes dias que me destaquei. Não como zagueiro, nem muito menos como atacante, mas como lutador de luta livre. Ao chutar uma bola, ergui muito a perna e o velho calção rasgou-se, arrebentando a costura inferior e tornou-se uma saia. Logo que viram meu calção totalmente rasgado, com os panos da frente e de trás separados, os Tatás abandonaram a bola e correram na minha direção: “mulherzinha-á, de sainha-á!”. Fiquei vermelho de raiva, correndo atrás de cada um dos Tatás que queriam rasgar ainda mais meu calção, arrancando gargalhadas de todo mundo, do time adversário e dos que assistiam à partida, esperando por sua vez de jogar.

Aceitei um chute no traseiro de um dos Tatás que ele caíu, arranhando o joelho e saindo da quadra. O outro Tatá ainda me insultando, continuava a gritar; “Mulherzinha-á, de saínha-a! Acertei um soco no Tatá, puxei o cabelo dele numa rodada que foi ao chão. De repente, todos pararam de rir e passaram a gritar meu nome como se erguessem meus braços como vencedor da luta, gritando: “- Égua Tatá, apanhou do Luiz Filho.., égua...!.”.

Fomos expulsos da aula de educação física pelo soldado-professor, mas daquele dia em diante, os Tatás passaram a ter medo de apanharem novamente de mim.

À tardinha, por volta das seis horas, voltava para casa. Descia a rampa da escola, atravessava a pracinha que fica ao lado da Igreja da matriz, donde se ecoavam pelas amplificadoras as músicas religiosas do Padre Zezinho, marca sonora maior daqueles tempos de infância, como Utopia, Maria de Nazaré e outras daquela coletânea chamada de Um Certo Galileu.
 Aspecto do entardecer em Reriutaba, entoando as canções do Padre Zezinho por duas amplificadoras que visualizamos nas ombreiras da fachada principal da igreja.

Como estava com o calção rasgado em formato de saia, desci rapidamente e evitei a pracinha, contornando o quarteirão pela rua do seu Zé Taumaturgo e dobrando a esquina da dona Artemísia. E assim findou um dia em que tive tanta raiva, mas que hoje guardo como uma boa recordação de infância.

Lembrança da Casa da Providência


Luiz Lopes Filho
Fortaleza-CE, 28 de novembro de 2011




quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Hoje Salvei um Camaleão


O Camaleão (família Chamaeleonidae) ou teju é um animal de uma família de répteis escamados, e uma das mais conhecidas famílias de lagartos. Há cerca de 80 espécies de camaleões, a maior parte delas na África, ao sul do Saara. Os camaleões são conhecidos por sua habilidade em trocar de cor conforme o ambiente, por sua língua rápida e alongada, e por seus olhos, que podem ser movidos independentemente um do outro. O nome "Camaleão" significa "leão da terra", e é derivado das palavras gregas Chamai (na terra, no chão) e leon (leão). É um lagarto bastante antigo, já que há registros fósseis de camaleões desde períodos tão longínquos quanto o Terciário.

Hoje pela manhã, estava correndo pelo parque do Cocó, mas precisamente pelo calçadão do shopping Iguatemi, quando fui chamado pelo Dr. Ary Campos, pai de um amigo meu. Daí, diminuí os passos e conversei um pouco com ele por uns cem metros de caminhada.

De repente, vi à nossa frente aquela criatura esquisita e mal encarada, de pele escamada, papada saliente assemelhando-se àquelas pessoas que querem impor respeito pelo pescoço. Tinha uma cor acinzentada e, assustada com nossa aproximação, apertou os passos e correu. Tentou passar pelos espaços abertos da tela que delimita o Parque do Cocó com o shopping.  Deu-se mal, então: ficou preso! Sua cabeça passou, seu papo não e, num desesperado mimetismo, mudou de cor. Ficara verde igual à tela da cerca metálica que o prendia. Parei e pensei falando: – Vou tentar ajudá-lo! puxei-o pela cauda, mas nada, o bicho retraía ainda mais seu corpo pensando que iria maltratá-lo ou mesmo devorá-lo. As pessoas começaram a assistir àquele resgate do teju. Puxei um pouco mais sua cauda, segurei sua pata traseira e, rotacionando seu corpo como um parafuso estrompado, tentava soltar sua crista encrespada de medo.

Coitado, o teju ficou preso à cerca pela sua própria crista, como um peixe a um anzol por suas guelras. Pressionei seu corpo, puxei novamente sua pata traseira e saquei o pobre animal da cerca.

Icei o teju pelo rabo, dependurando-o verticalmente. Media uns setenta centímetros. Sua cor agora era novamente acinzentada. Olhei para ele e para as pessoas que ali nos assistiam. Ele revirou um olho para mim e outro para as pessoas, como quem pensava: -Este cara não vai me soltar não?.

Seu Ary ajudou-me a encontrar uma fresta entre a tela e o chão, buscando um escape para o bicho. Mostrei-lhe o caminho do mangue e o animal saíu correndo em desespero mata a dentro. As pessoas que nos assistiam começaram a bater palmas. Senti-me um momentâneo herói ecológico! Fiquei pensando depois: será que estas pessoas me aplaudiriam se me vissem ajudando com um cobertor ou com um copo de leite um desprezado mendigo de rua? Provavelmente, não! É o poder midiático da proteção aos animais muito superior à caridade para com o próximo. Não quero aqui mitigar nossa consciência ecológica de proteção aos animais e ao meio-ambiente. Porém, temos que dar mais atenção a nossos semelhantes que não têm teto e vivem desamparados pelas ruas, sem família e sem conforto. E que esta solidariedade não se restrinja somente nesse mês de dezembro que se aproxima!.

Mas, voltando ao ator principal, o famoso teju, lembrei-me de uma expressão que ouvi no sertão alagoano: Sela o teju! que significa ir embora bem rápido. Hoje realmente vi o que é selar o teju, pois o bicho fugiu numa velocidade incrível se embrenhando pelas folhas do Parque do Cocó!

Luiz Lopes Filho,
Fortaleza-CE, 24/11/2011




















terça-feira, 22 de novembro de 2011

Cacimba da Viúva


Sempre que havia algum feriado próximo a um final de semana, tomávamos o rumo de Reriutaba logo na sexta-feira e, após a feira de sábado, reuníamo-nos no barzinho do Luís Jr, nosso amigo Tauma. Pessoa serena, de  tranquilidade infinita e que só se irrita se alguém lembrá-lo que de que não é estressado, e sim um sujeito muito calmo e tranqüilo.

Era 19 de maio de 2001. Ali estávamos eu, Joaquim Taumaturgo, Chico Basil, Antônio Coelho e Assis Júnior.

O Luís Jr. estava ali ao nosso lado e, entre uma cerveja e outra, morria de rir do Joaquim abraçado com o Chico Basil, cantando a Cacimba da Viúva, pérola do compositor Edson Duarte, cuja letra lembro-lhes abaixo: 



Cacimba da Viúva
 Arrebentaram a pinguela da viúva
do finado Mané do Cacimbão

Água agora só da chuva
A cacimba não tem água mais não

Quando o finado Zeca ainda era vivo
Tudo bem era bom conservador
Era prego na pinguela todo dia
Dava água e nunca se incomodou.

Mas a Viúva achando um desaforo
Uma falta de consideração
Já falou em fechar sua pinguela
Diz que em breve vai pôr tudo no chão

Botou pregos, arames e madeiras
No lugar que passava, pôs cancela
Nem que morra na vila, tudo seco
Ninguém mexe mais na pinguela dela

É Na pinguela dela, é na pinguela dela
Água lá nem de moringa
Passa na pinguela dela.




Lembrança guardada nas páginas de um velho livro


Aproximava-se dezembro de 1982, olhos míopes encaixados entre as metades de um livro de geometria e, por um corolário, ascendi ao plano da saudade.

Saudade já nem tanto, mas sede de matá-la, pois se aproximavam as férias de fim-de-ano.
Apenas uma prova me separava de Reriutaba. Mala pronta há mais de 1 mês!

Passagem já comprada no guichê da empresa Horizonte há duas semanas! Vontade de chegar em casa, de sentir o cheiro seco dos galhos de marmeleiros à beira da estrada empoeirada.

Pegaria a Horizonte na antiga Rodoviária dos Pobres em Antônio Bezerra. Muita gente apinhada esperando o expresso que partira da Rodoviária Eng.João Tomé; algumas senhoras conhecidas de meu pai, alguns estudantes mais antigos e minha reserva tímida de pouco falar com meus próprios conterrâneos.

Dinheiro contado para comer uma paçoca em Irauçuba e uma coca-cola em Sobral.

Assim encontrei esta foto entre as últimas páginas do livro de Geometria e rabisquei uma declaração de amor à Reriutaba que se encontra no verso da foto da Matriz datada de 1981.

Hoje, após a recente partida de minha doce Dona Aidan, a quem me concedeu também seu amor materno aquí em Fortaleza, meu tio encontrou também nas últimas páginas de sua agenda estas imagens que teimam em revelar meu passado e que ela também guardou com tanto carinho.
Luiz Lopes Filho,
Fortaleza-CE, 20 de agosto de 2006

sábado, 19 de novembro de 2011

Feira de Sábado


Dia de Feira

Próximo lá de minha casa, havia dois pés de ficus (Ficus Benjamina) e era o lar das irritantes lacerdinhas (cujo nome científico Thysanoptera é uma ordem de insetos chamados genericamente de tripes). Quem não se lembra destes terríveis insetos que habitavam as árvores que amenizavam o calorzão de meio-dia em Reriutaba?


Zoom do inseto


 As lacerdinhas teimavam em pular sobre nós quando passávamos por debaixo dos pés de ficus. Se estivéssemos com roupas amarelas ou mesmo claras, elas nos infestavam. Amarelo era a cor mais chamativa para essa praga. Quando uma deles caia no olho era um inferno e ardia como nunca. Corríamos de volta para casa para lavar os olhos vermelhos e lacrimejantes. As lacerdinhas disputavam a sombra conosco crianças que gostávamos de ficar debaixo destas árvores após o almoço. Lá se conversava, jogava-se bila, empurrava-se um carrimã ou mesmo ficava a advinhar quantos vagões tinha o cargueiro do trem que passava à nossa frente.

Algumas residências da cidade possuíam enormes árvores em frente às suas casas, exatamente para obterem sombra nos dias mais ensolarados e lá as lacerdinhas se abrigaram. Revoltados com aquela praga, alguns moradores podavam suas árvores radicalmente. No entanto, ao saírem os primeiros brotos, os insetos começavam a infestar a árvore novamente. Muitas pessoas trocaram o fícus pela algaroba, uma maneira de ficar livre daquele incômodo inseto, originário da Ásia Oriental e que foi introduzido no Brasil em 1961. Em frente lá da minha casa havia dois pés de algaroba: o do meu pai e do seu Joaquim Morais, mas sua sombra não era tão boa quanto a dos pés de fícus.

Quando sabíamos que o fícus estava infestado, desviávamos da calçada ensombreada, indo pelo calçamento pontiagudo e muito quente. À frente da casa da Dona Abigail, havia emparelhados dois pés de fícus e, viam-se muitas pessoas desviarem da calçada para se evitar as lacerdinhas. Mas também este desvio era feito por intrigas. Naquela época, quando nós crianças brigávamos com algum amigo vizinho ou não;  era proibido passar pela calçada do mesmo, mostrando assim sinal de personalidade. Dizia-se que se “tinha vergonha na cara e não se passava em calçada de intrigado”.


               Na foto acima: os velhos pés de ficus da calçada da Dona Abigail


Na sexta-feira à tardinha, os pés de fícus da Dona Abigail passavam a ter três tipos de inquilinos: as lacerdinhas, nós e os feirantes. Dormiam de sexta para sábado em redes armadas sob os pés de fícus. Deitavam-se cedo por volta das oito da noite e, antes do sol aparecer, acordavam lá pelas quatro da manhã, estendendo folhas de bananeiras no chão e arrumavam sobre elas laranjas, limões, tangerinas, maracujás, melancias, jacas. Outros arrumavam também legumes, verduras, mastruz e mais algumas plantas medicinais.

Os feirantes desciam a Serra Grande em seus lotes de jumentos carregados com grajaus cheios de frutas e legumes, forrados e fechados em sua boca com folhas de bananeiras. Os grajaus eram confeccionados de cipós entrelaçados e tinham um formato oblongo. Outros jumentos também traziam em cada um dos lados da cangalha sacos de palha, chamados então de surrões, vedados com costura da própria palha. Neles se transportavam farinha, feijão verde, rapadura e alfenim que é uma rapadura menos densa, de cor clara e que se dissolve com mais facilidade, sendo mais saborosa e mais provocadora de cáries, já que se grudava no palatino e nas gengivas, tornando-se mais agressivas aos dentes. Hoje sabemos porque a maioria dos feirantes eram banguelos.

Na sexta-feira à tardinha corríamos para perguntar se algum feirante havia trazido pitombas. Suas sementes vêm envoltas por matéria carnosa transparente, comestível e de sabor agridoce. Mas o melhor era roer a parte carnuda e, num assopro atingir outro menino. Era nosso paintball daquela época. Mais difícil e, dependendo da época, lembro-me também de uns ramalhetes que os feirantes traziam e eram chamados de remela-de-macacos (conhecido também por pombeiro) e que brotavam de abril a agosto. Na realidade eram pequenas flores cheias de néctar que nasciam no brabo sopé da serra. Nunca mais vi a tal remela-de-macacos na feira de Reriutaba.

A feira seguia um leiaute natural. Sob o galpão coberto, ao lado da bodega do Zé Grande até o armarinho da Dona Tonha Luca,  agrupavam-se os vendedores de farinha, feijão e milho. Alguns deles vinham de Guaraciaba do Norte, Ipu ou São Benedito, mas outros eram de Reriutaba mesmo, que compravam suas mercadorias no pé-de-serra e revendiam ali mesmo na feira de Reriutaba. Destes feirantes, lembro-me do Monteiro, pai do Sacola, menino peralta que deve ter ido trabalhar no Rio de Janeiro e nunca mais tive notícias. Aliás, foi o Sacola que resgatou uma galinha que tinha pulado o quintal lá de casa para o armazém do Seu Luís Taumaturgo.

Na Rua 25 de Setembro, a feira se estendia da sapataria do Seu Doquinha até a calçada lá da minha casa e, neste trecho havia a feira dos peixes vindo do açude Araras (hoje cidade de Varjota). Algumas bancas vendiam somente girigóia, um peixe pequeno, seco e salgado de cor amarelada e pele cinza escura. Seu sabor lembrava um pouco o bacalhau. Outras bancas vendiam peixes frescos como a pescada, a traíra, o cará e a curimatã. Muitos dos clientes compravam curimatãs somente pelas suas ovas que cozidas ou fritas é uma iguaria muito saborosa. Após a secção dos peixes, vinham as bancas de frutas, verduras e legumes. 

No trecho da Rua São Francisco, hoje Rua Agrípio Soares que se estendia da farmácia do meu tio Assis até a mercearia do seu Manel Sinhô, mesinhas de madeira de baixa altura expunham rolos de fumo preto, matéria prima para confecção de cigarros e suprimento de  cachimbos. Alguns fumantes também mascavam este fumo e saíam cuspindo as calçadas com aquela golpada gosmenta de um marrom escuro quase preto. Morria de medo de pisar em golpada de fumo, que na realidade era uma cuspida mais nojenta do que a costumeira.

De todos os feirantes, somente um vinha de Fortaleza e de trem logicamente, que era o único transporte eficaz da época. Em sua banquinha podia-se comprar abacaxis, além de maçãs e uvas, frutas mais caras e inacessíveis para muitos. O Seu Firmino também vendia beterrabas, batatas inglesas, cenouras, repolhos e alfaces. Estes produtos somente eram encontrados ali. De uma idoneidade ímpar, mas também de uma personalidade séria e brincalhona ao mesmo tempo, seu Firmino almoçava todos os sábados na minha casa. Meu pai, por volta do meio-dia, pedia-me para chamar o seu Firmino que, muito embora tendo esta rotina de almoçar lá em casa todos os sábados, só o fazia mediante nosso repetitivo convite. Adorava chamá-lo para almoçar, pois logo ele me presenteava com bombons: drops, chocolate do Zorro, pastilhas de hortelã ou outra novidade trazida da capital.

Quando passei a estudar em Fortaleza, vi que no coração daquele humilde feirante, escondia-se um cidadão de uma presteza infinita e de uma responsabilidade paterna. Era ele que levava encomendas enviadas por nossos pais de Reriutaba para Fortaleza. Nunca reclamou de levar pacotes cheios de carne, de camarão-sossego, de queijo, de doce de buriti, enfim de tudo para amenizar nosso cardápio em Fortaleza com lembranças de nossa terra. Ainda hoje seu Firmino vende suas mercadorias, não mais com a exclusividade dantes, mas com a mesma seriedade e honestidade de sempre.

Quando vinha passar o final de semana em Reriutaba por conta de um feriado na segunda ou sexta, voltava para Fortaleza sob a companhia do seu Firmino que ainda me entregava em domicílio. Seu Firmino é hoje um dos cidadãos que mais tenho respeito em Reriutaba. Não por ter feito tanto favores a meus pais e a mim, mas por ter sido uma pessoa que mais prestou serviços gratuitos e valiosos às famílias reriutabenses que tinham seus filhos estudando na capital.


Doutros feirantes mais memoráveis, citemos o Fuba com seus legumes, o Bastos com suas ferragens e acessórios; o Manel da Nana com café e bolos, o finado Antônio Buchim com laranjas; o finado Zé Gregório com limões e os serranos, vendedores de bolos de manzape. Todos os sábados havia um casal simpático de velhinhos que íam comer estes bolos sentados no batente do comércio do meu pai. Eram a Moniquinha e seu Chico Galvão, genuíno representante da pacatez e simpatia que habitavam a localidade de Altamira, à beira da estrada que liga Reriutaba à Serra Grande.

Ah, lembro-me que a feira terminava em frente à minha casa com fardos e mais fardos de surrões, a forma mais técnica e ecológica de transportar alimentos: eram reaproveitáveis, não sujavam as ruas e conservavam melhor frutas, feijão, milho e farinha. A maior produção era oriunda do distrito Amanaiara que também confeccionava muitos chapéus de palha sob a liderança maior do seu Albano Veras.

Eis, atualmente um final de feira em Reriutaba que retrato também na foto abaixo:
Antigamente, o transporte era realizado principalmente por jumentos que ficavam estacionados do lado oposto da feira, cujo marco era a linha férrea.


Luiz Lopes Filho, 
Fortaleza-CEARÁ, 19 de novembro de 2011.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Como tem Luiz em Reriutaba

Lembrando-me do Trio Nordestino, posto esta foto numa alusão a tanto Luiz que há em Reriutaba.

Eis a foto em homenagem aos meus xarás, conterrâneos ou amigos e que nesta foto são representados por:

Luís Taumaturgo - Luiz Memória - Luiz Benevides - Luiz Bomilcar - Luiz Lopes - Luís Castro - Luís Aragão  e eu, Luiz Filho.

Vai ter Luiz assim só em Reriutaba

E segue a famosa música do Trio Nordestino

 

Como tem Zé na Paraiba

Trio Nordestino - Compositor: Catulo de Paula / Manezinho Araújo
Vixe como tem Zé
Zé de baixo Zé de Rita
Me desconjuro com tanto Zé
Como tem Zé lá na Paraíba

Lá na feira é só Zé que faz frevura
Tem mais Zé do que coco catolé
Só de Zé tem uns cem na prefeitura
Outro cem no comércio tem de Zé
tanto de Zé desse jeito é um estrago
Eu só sei que tem Zé que dá com pé
Vai lembrar a gagueira de um gago gaguisse danou a de Zézé

Em um forró que eu fui em Cajazeira o cacete contou e fez panzé
Pois um bêbado no meio da bebedeira falou mal e xingou a mãe de um Zé
Como só tinha Zé nesse zum zum ouve logo tamanha arrapapé
Mãe de Zé era mãe de cada um no saguão brigou tudo que era Zé

É Zé João Zé Pilão e Zé maleta
Zé Negão Zé da Cota Zé Quelé
Todo Mundo só tem uma receita quando quer ter um filho só tem Zé
E com essa franqueza que eu uso eu repito e se zangue quem quiser tanto Zé desse jeito é um abuso mas o diabo que eu também me chamo Zé

Caiçara

Caiçara


A Caiçara é um povoado que agrupa pequenas fazendas e algumas casinhas nas redondezas, distando cerca de uma légua da cidade. Fica do outro lado da passagem de nível, um pouco antes da Ponte do Peixe.

Lá moravam algumas famílias como a Calixto que me conecta através de meu avó paterno José Calixto e com minha bisavó materna Adília Soares, filha de Francisco Calixto e Cecília Nepomuceno. Também tem a família Nel e os Rodrigues. Nossa referência da Caiçara era entretanto nosso amigo e parente Gerardo Nel, marido de Dona Quita.

Nas férias combinávamos eu, meu primo James e nosso amigo Pedim para ir de bicicleta à Caiçara passar o dia caçando todo tipo de passarinho: azulões, rolinhas e sabiás. O Pedim numa bicicleta Monark para adulto e pesada pelo atritar de um dínamo no pneu traseiro; tinha também lameiras e um depósito lateral parecido com um alforge. Quase não conseguia sentar-se na cela, exceto nas descida de ladeiras. A do James era uma bicicleta menor da marca Caloi e a minha era uma Monareta roxa de tamanho médio.

Esta foto abaixo mostra minha bicicleta Monareta novinha que havia ganho no Natal. Era já abril de 1975. Ao fundo, o talude da linha férrea e na garupa, meu primo Mardônio. As carnaúbas delimitavam a gleba que chamávamos de "Solta do Seu Quim".



Saíamos cedinho, por volta das seis da manhã, cada um em sua bicicleta pela estrada que tangia a linha férrea. Quando nos aproximávamos do Corte Grande, trecho que só cabia o comboio férreo, deixávamos a trilha paralela à estrada-de-ferro, pois naqueles 150,0m não havia atalho de escape quando do apitar de um trem-cargueiro. Era morte na certa, frase esta que aterrorizava nossa mente infantil.
 Passagem de nível da estrada que interliga Reriutaba a Amanaiara. Do lado esquerdo, a entrada da Fazenda Caiçara.Hoje com pavimentação asfáltica.

Por algumas vezes, ousamos em ir um pouco além, passando da entrada da Caiçara para observarmos de perto e cheios de temor as treliças da Ponte do Peixe. Era lá que muitos passageiros tinham sua cabeça arrancada, eram sim decapitados. Mês sim, mês não, havia uma vítima. Ponte estreita, bitola dos trens antigos e que ainda não fora redimensionada para os veículos atuais.

Quando o maquinista apitava, alertando a proximidade da ponte, algum desavisado, punha a cabeça do lado de fora da janela do trem (chamava-se de horário o trem de passageiros àquela época). E assim, a ponte vitimava o pobre do passageiro. O corpo era trazido para a estação ferroviária, onde o Seu Saldanha buscava distanciar os curiosos do corpo sem cabeça ali estendido. O trem seguia viagem sem aquele desafortunado. Era por este motivo que buscávamos ver na estrutura da ponte algum vestígio de sangue ou algo mais, somente para aguçar o medo e a curiosidade presente na mente humana que começam a tornarem-se inquietas desde a infância.
Ponte do Peixe - Atualmente com alargamento da bitola e treliças. Do lado esquerdo da foto, a lembrança de uma das vítimas.

Voltávamos da Ponte do Peixe e retomávamos a trilha para a Fazenda Caiçara. Ao chegar na Caiçara, o seu Gerardo Nel já nos esperava com uma jarra de leite mugido sob a escuderia do Coló, sujeito pacato de olhar distante e estrábico. A dona Quita já tinha milho verdinho cozido para nós com cuscuz, tapioca, nata, manteiga da terra e muita simpatia.

A casa da dona Quita e do seu Gerardo Nel era de um verde forte com uma varanda frontal com muitos armadores que de dia se colocavam celas, alforges, estribeiras e cordas. À noite, redes alvas e cheirosas para se conversar estórias de assombração.

- Pedim, minino, coidado com esta espingarda socadeira, diabo!

O Pedim nem dava cabimento aos avisos da mãe. Dali era só carregar a espingarda socadeira, entregar uma baladeira ao James e seguirmos para caçar nos arredores.

Separavam-se os chumbinhos e as porções de pólvora, intercarlando-os com buchas no cano da espingarda e socando-os com uma vareta. Procedimento muito perigoso para meninos de 10, 11 anos de idade. Depois colocava-se a espoleta no detonador e pronto. Ali estava carregada a espingarda. Num destes tiros espalhavam-se inúmeros chumbinhos numa revoada de passarinhos. Daí o motivo pelo qual o Pedim era o melhor caçador! O Pedim atirava com 50 chumbinhos de uma vez só, enquanto eu com um chumbinho de espingarda de pressão e o James, com uma pedra somente na liga da baladeira.

Lá se iam: o Pedim de espingarda socadeira debaixo de seu bracinho em formato de “V”, adquirido após uma fratura mal curada; eu de espingarda de pressão e o James, de baladeira. O Pedim sempre ia na frente para evitar que o tiro potente de sua espingarda acertasse-nos. Nesta seqüência de poderio bélico, também voltávamos com a mesma proporcionalidade na caçada. O Pedim com 8 rolinhas fogo-pagô, 4 azulões e duas juritis; eu somente com 04 rolinhas-fogo-pagô e o James sem nenhum abate. Também de baladeira e com falta de mira!.  Mas, para que o James chegasse em casa e mostrasse algo para afagar o ego do tio Osmundo, sempre passávamos duas caças para ele. Um azulão, uma juriti ou coisa assim.

Antes de voltarmos para casa, agradecíamos à dona Quita e ao seu Gerardo Nel pela boa estadia e seguíamos pedalando. Saíamos da Fazenda Caiçara e logo, por cerca de 2 quilômetros, pegávamos a estrada principal que liga Amanaiara a Reriutaba. Imediatamente atravessávamos a passagem  de nível ferroviário e seguíamos entre subidas e descidas, sempre tentando deixar alguém para trás. E nisto se dava uma soltura de corrente da catraca. Graxa, óleo, mais sujeira misturada com penas e sangue dos passarinhos. Todos então se alinhavam na viagem.

Com a proximidade do pôr-do-sol, tentávamos pedalar mais juntos; agora cheios de medo!. Tínhamos que voltar antes das 6 horas da tarde, pois o crepúsculo nos trazia mais insegurança. Na beira da estrada imaginávamos nos deparar com raposas, caiporas e assombrações doutro mundo.

Avistava-se à direita, a Fazenda do Ivan Rego, outra subida, o Corte Grande e, por fim, também à direita a casa do seu Valdemar Vieira e então a entrada da cidade. Chegamos enfim. Exaustos, mas felizes por nos acharmos os melhores caçadores entre os demais meninos da época.

Fortaleza-CE, 05 de abril de 2002

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Nostalgia

Hoje acordei com saudades de Reriutaba, da minha rua, dos meus amigos, da feira, da vista da Serra Grande, dos transeuntes. Acho que estou feito meu pai:  não agüento mais este trânsito, este amanhece-anoitece sem ver naturalmente o dia, sem conversar descompromissadamente com as pessoas. Quero dar férias aos semáforos, aos engarrafamentos, ao celular!
E conversar sem relógio com meus amigos e conterrâneos.

Fortaleza, 04 de novembro de 2011
Luiz Lopes Filho

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Doidos

HISTÓRIAS POR EMAIL

Esta mensagem me foi passada via email em outubro de 2010 por um grande amigo meu, Dr Lucídio Reinaldo, contando as personalidades doidas de sua terra, Teresina.

Esta história narrada por ele, retrata em seu contexto um pouco de carinho e alegria que temos por estas pessoas, em detrimento de seu comportamento e de sua saúde. Não se trata de gozação ou de menosprezo, mas sim de uma apologia à alegria que eles transmitem, independentemente de sua condição de sanidade. A eles também nosso respeito.

Segue então abaixo o texto que lhe redigi também contando sobre os doidos de Reriutaba. Após meus relatos, segue a história narrada pelo meu amigo Lucídio Reinaldo.


Caro amigo Lucídio, realmente nestes poucos minutos que li esta história dos doidos de Teresina, sua cidade natal, voltei a meu tempo de infância em Reriutaba. Engraçado como realmente havia muitos doidos naquela época.

Havia o Piano, um sujeito franzino e negro que era maltratado pelos meninos mais perversos. Queria ser jogador de futebol e sempre narrava: - Tostão passa a bola para Rivelino que passa para Piano e é Gooool do Brasil!

O Piano foi até queimado nas costas com um ferro de engomar. Que maldade!. Lembro também da "Caganeira", uma senhora de semblante pesado, rosto surrado pelo sol e também assustador principalmente para as crianças; ela com este nome horrível passava o dia inteiro juntando galhos, pedaços de lenha e coisa do tipo e, ao ser insultada, largava tudo e corria atrás da meninada. A Maria Zaú também era outra que se zangava com um simples olhar infantil.

Pelas calçadas da minha rua 25 de Setembro onde até hoje meus pais moram, estava lá a Dezoito. É até afilhada da mamãe, e acho que também de muita gente, porque a toda senhora era chama de madrinha. Ainda é viva e deve ter seus 60 anos. Hoje, me passando vez por outra por moleque, ainda pergunto-lhe quanto é nove mais nove...e então ela diz...- "Caba sem vergoin, vô dizer pá Madrinha...pensa que eu num sei qui tu tá me insultando"!!!

O Gerardim Doido, como assim é conhecido, era de uma família de boas pessoas, como se diz no interior. Diz ele que era motorista de lotação no Rio de Janeiro quando seu ônibus virou na década de 70. No acidente salvou 200 mulheres e 20 homens.....pense num ônibus lotado!!!! e grande!!!!!. Doido por mulher, nunca teve uma; apenas esfregava as duas mãos quando via uma moça passar e então perguntava se aceitava se casar com ele. Por onde passa levanta uma pedra e coloca no canto da rua para ninguém topar. Se alguém está sentado num meio fio ele diz:  -"Zequinha, cuidado porque aí pode ter uma cobra e vai te picar". Hoje a gente ver o quanto se fez e se faz maldade com o coitado do Gerardim Doido que já num tá tão mais novo, deve ter seus 65 anos, 70 anos por aí. Deram uma carteira de bolso a ele cheia de recortes dizendo que são documentos do sítio dele na Serra da Ibiapaba e que seu Padrim lhe deixou de herança. Hoje o Gerardim é dono da RFFSA (hoje privatizada com o nome de Transnordestina S/A). Para evitar que tomassem este patrimônio dele, as pessoas diziam que ele teria que zelar pela empresa e não deixar os trilhos enferrujarem. E por isso, o Gerardim já ficou o dia todo passando bombril na linha do trem que estava se oxidando.

 É também dono do Banco do Brasil: todo dia quer varrer a calçada da agência de Reriutaba (acho que agora ele parou mais com medo do assalto recentemente ocorrido). É dono de todo o rebanho da antiga novela 'Rei do Gado". Só não quer ser dono do cemitério. Morre de medo de almas. Um dia o finado Zé Taumaturgo perguntou se o Gerardim queria falar com a mãe dele que havia falecido. Na hora o Gerardim topou. Ficou esperando na cadeira preguiçosa da casa do seu Zé Taumaturgo e quando viu seu Zé todo de branco dizendo que era sua mãe dele, saíu em disparada correndo e derrubando tudo o que era de bibelô pela casa da Dona Geny Taumaturgo.

Ainda há uns que continuam a perambular pelas ruas da cidade; nem sei se realmente doidos são, porque às vezes temos também nossos momentos de loucura.

O Bagana, pessoa pacífica que é apaixonado por uma senhora da cidade e que sonha em ser aquele antigo jogador da seleção argentina, Burruchaga, passa a maior parte do tempo em sua casa. Aparece nas ruas da cidade em ponta de bares quando há um festejo da padroeira ou num comício político. Dança sozinho, canta o hino da Argentina (que só ele entende), grita pelo nome do prefeito e com sua cabeleira, se acha a pessoa mais bonita da cidade. Abaixo a foto complementa os atributos de nosso amigo Bagana:

Mas, nestas lembranças que permeiam nossas sadias demências, havia outros doidos que pacificamente e, às vezes não, conviviam diariamente conosco pelas esquinas do dia-a-dia do meu saudoso interior! Posto aqui uma foto de meu amigo e parente Zezim Porfírio:

Zezim Porfírio, este é até meu parente. Vive andando numa velha bicicleta pela cidade atrás de um trocado para tomar um trago de cachaça, mas se lhe der cerveja, aceita na hora. Não sei se realmente é doido. Sempre quis ser goleiro do Santa Cruz de Reriutaba


Esta é nossa querida Cirandinha. Como poderia chamá-la de doida, se ela é pura alegria?. Sempre foi vaidosa. Toda festa está lá a Cirandinha com seu novo traje. Nem precisa ser Carnaval que ela está toda enfeitada.

E, para não ficar fora desta listagem, seguem algumas doutros doidos:


Lucídio, um forte abraço, depois eu melhoro a narração para ficar pelo menos perto da sua que está muito bem escrita!
Luiz Lopes, 19/10/2010
  

De: LUCÍDIO Leitão Reinaldo Filho
Enviada: ter 19/10/2010 09:58
Para: LUIZ LOPES Silva Filho
Assunto: ENC: DOIDOS.
Amigo Luiz,
Para que você possa se lembrar dos seus. Impossível não ficar na memória as grandes personalidades, principalmente as mais autênticas como os "sem juízo".
Um forte abraço e um bom dia.
Lucídio Leitão.
  
"Nada te perturbe, nada te assuste, tudo passa. Deus nunca muda. A paciência  tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta."


 Ju e Mazinha,
Agora a pouco estive pensando que no meu período de criança as cidades conviviam melhor com os seus doidos (dizem que de louco, todos temos um pouco), já que eles integravam e participavam do nosso dia-a-dia. Penso até que esse tipo de terapia seja o ideal e não a reclusão, o internamento, o isolamento da família e da sociedade, que hoje imagino ser adotado, já que quase não os vejo mais nas ruas; a não ser nós mesmos, os loucos do cotidiano urbano.
Fiquei aqui pensando nos “Doidos (?????) que Marcaram a Minha Infância”. Interessante! Foram muitos. Eita! Teresina véia de doidos. Será que tô no meio deles? Quem sabe!
Aí comecei a recordar de todos eles: Babau, Piunga, Pé de Pistola (outros o conhecia como Pé de Burro), Bibelô, Maria Chiquinha, Cumadinha (essa morou um tempo na casa dos meus Pais), Benidito Lava Carro, Manelão, Zé Emidio e até um Tio Segundo meu, que eu não o conheci (Tio Caio) e a bela Nicinha.
Afora a Cumadinha, a quem os meus pais chegaram a acolher e logicamente com quem eu convivi, outros em muito marcaram a minha infância, a exemplo do Manelão e da Nicinha.
Do Manelão, apesar de achá-lo engraçado, eu tinha medo.
Manel Avião, Manelão, avião, ão, ão. Vrummmmm. E lá se ia o Manelão conduzindo um avião imaginário na mão direita, que já, já, virava asa e, abrindo os braços em duas asas, Manelão era o próprio avião, que encantava os meninos que viam o Manelão como cena de cinema que ele fazia o voar na imaginação.
Manelão imitava um avião da segunda guerra, com suas rajadas de metralhadora. Manelão voava de verdade. E a lenda se espalhava na cidade. Na Piçarra, diziam, invadiu uma casa e roubou um rádio. Na localidade Palha de Arroz seduzia meninos e meninas, que as mães zelosas não deixavam chegar perto do avião. Podiam ser levadas pra longe e se perder na escuridão da noite.
Manelão um dia roubou, roubou não!; ele não era disso; se apossou das batinas dos padres capuchinhos, ainda hoje residentes próximo a casa da Mamãe, por conta dos padres terem se negado a celebrar uma missa em favor da alma de sua mãe.
A policia foi chamada. Manelão se refugiou na parte superior da Ponte Metálica do Rio Parnaíba, que liga Teresina a Timom, no Maranhão (ver foto abaixo).
             
Local onde o Manelão se refugiou.
Após cercado pelos policiais ele negociou a devolução das batinas mediante a promessa da celebração da tão desejada missa. Da missa nunca ouvi falar da sua realização, mas da surra da policia que o miserável levou, todos comentam.
Manelão contava histórias. Histórias de cinema que se passavam em Teresina. Não sei que fim levou. Um avião, com certeza, lhe levou embora...
A Nicinha se mostrava como uma figura popular conhecida por toda Teresina. Nicinha, já habitando o infinito, era uma figura tal e qual conhecida: sempre aparecia nos eventos importantes, vestida de forma extravagante, e palpitando sobre tudo. Sem ela Teresina já não é a mesma. Nicinha habitou a minha infância e juventude...
Nicinha, pequenina, enfeitava-se de fantasias de carnaval durante todo o ano. Todo dia, toda aglomeração, discurso político, conversa de bêbados, papo de vagabundos, qualquer ajuntamento de gente fazia aparecer o pipoqueiro, o sorveteiro e Nicinha. E aí vinha ela. Numa elegância exagerada, maquiagem intensa, óculos de gatinha, fita colorida no cabelo, vestido de tafetá azul celeste (abaixo uma foto dela em um dos carnavais de Teresina, acompanhada do jornalista/radialista Deusdeth, o conhecido Garrincha, pelo sua semelhança com o craque das pernas tortas).
Qualquer que fosse o dia do ano Nicinha vestia a fantasia da terça gorda do Carnaval. Me encantava a sua presença. Era a marca de que o que estava acontecendo tinha importância. A porta do Teatro 4 de Setembro, o Bar Carnaúba, a Praça Pedro II, o Café Avenida, eram lugares que só existiram pela presença de Nicinha.
Me contaram que teve uma morte violenta com requintes de crueldade. E o criminoso nunca foi encontrado. Quem poderia fazer mal a um beija-flor tão bonito? Mas na minha infância tinha menino que engolia coração de beija-flor pra ficar guabes. Guabes, pra quem não conhece piauiês, é ficar com boa pontaria na baladeira. Baladeira, um piauiês tão bonito, é estilingue ou bodoque noutras pronúncias. E Nicinha e o beija-flor nunca fizeram mal a ninguém, mas morreram do mesmo jeito...
Alfim, para minha surpresa, recentemente tomei conhecimento de que, na minha Teresina, dentro do programa do PAC, encontra-se sendo construído um Conjunto Habitacional, batizado de RESIDENCIAL JACINTA ANDRADE (maior obra no Brasil dentro do MINHA CASA, MINHA VIDA), em homenagem a militante do Movimento Popular de Teresina. Ela defendia as famílias de baixa renda, até ser assassinada pelo seu namorado, e ali se decidiu que as ruas teriam nomes de mulheres reconhecidas no Brasil e no Piauí, dentre elas a minha “BELA NICINHA”.
Vale resaltar que, no processo de escolha dos nomes se teve o cuidado de escolher mulheres que de alguma forma lutaram e marcaram suas vidas por ideais, convicções e sonharam com um Brasil melhor. São mulheres negras, brancas, índias, jovens e da terceira idade que se destacaram na música, poesia, jornalismo, feminismo, abolicionismo, sindicalismo, combate ao racismo, luta sufragista, reforma agrária e direitos humanos
Abaixo segue a lista com alguns dos nomes das ruas:
Três Avenidas:
1. CORA CORALINA
2. FRANCISCA TRINDADE (será a avenida principal)
3. TARSILA DO AMARAL
Vinte e duas ruas:
1. ALZIRA SORIANO - Luísa Alzira Teixeira de Vasconcelos
2. AMÉLIA BEVILÁQUA – Amélia Carolina de Freitas Beviláqua, Piauí
3. ANTÔNIA FLOR – Antônia Maria da Conceição, Piauí
4. BETH LOBO – Elisabeth de Sousa Lobo Garcia
5. BERTHA LUTZ – Bertha Maria Julia Lutz
6. CELINA VIANA – Celina Guimarães Viana, primeira eleitora brasileira
7. CLARA NUNES
8. CLARA CAMARÃO – Clara Felipa Camarão
9. CLEMENTINA DE JESUS
10. CHICA DA SILVA – Francisca da Silva, escrava forra mítica
11. CHIQUINHA GONZAGA – Francisca Edwiges Gonzaga
12. DOS ANJOS - Maria dos Anjos Sousa Brito – Piauí.
13. ESPERANÇA GARCIA – Negra e escrava famosa, Piauí
14. JOVITA FEITOSA – Jovita Alves Feitosa, Piauí.
15. LEOLINDA DALTRO – Leolinda de Figueiredo Daltro
16. MARIA BONITA – Maria Gomes de Oliveira
17. NICINHA DE ALMEIDA – Leonice Ribeiro de Almeida, Rainha dos Carnavais, Piauí. 18. PATRÍCIA GALVÃO-PAGU – Patrícia Redher Galvão.
19. SANTINHA – Maria dos Santos Rodrigues, Piauí.
20. TELMA CORDEIRO – Telma Regina Cordeiro Correia.
21. ZILDA ARNS – Zilda Arns Neuman
22. ZUZU ANGEL – Zuleika Angel Jones
É isso! Os doidos, ou os mais ajuizados do que nós imaginamos, marcando às nossas vidas.
“Creio até que, eles, os Doidos, estão mais próximos da fonte eterna Divina, e por consequência felizes”. Então, com esse sentimento dos “Doidos”, com atitudes altruístas, benevolente e de amor ao próximo, vivenciemos um pouco a paz que Jesus nos ensinou, pois isso se constitui riqueza espiritual que enche nossa alma de alegria.
Que Deus ilumine nossos caminhos e nos guie sempre. Para isso, que nossos pensamentos, palavras e atitudes estejam sempre conectadas a Ele.
Um forte abraço e “VIVA OS DOIDOS”.
LUCÍDIO LEITÃO.