quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tia Antonieta

Tia Antonieta


 
Falar de minha infância, é lembrar da tia Antonieta. Nossa vizinha, pulando a calçada do seu Joaquim Morais. À frente de nossas casas (a do meu pai e a do seu Joaquim), duas frondosas algarobas onde todos os dias após o almoço me sentava descascando uma laranja ou um pedaço de cana-de-açucar. Muitas vezes contando os vagões de um cargueiro que diariamente passava na linha férrea à frente de nossa casa.

Depois era correr para a tia Antonieta. Casa mais simples com uma pequena varanda na entrada delimitada por um portãozinho. Havia uma janela lateral de venezianas e paredes sempre de cor rósea em tinta hidracor. No primeiro quarto uma sala com muitas revistas. Os quartos-de-dormir ficavam no meio. O último era o da tia Antonieta, mais arejado por uma janela que se abria para uma varanda interna. Duas salas, uma de estar e outra de jantar. Uma pequena varanda ao lado da sala de jantar e, por fim, antes do quintal uma cozinha e um pequeno banheiro lateral.

Era uma casa alegre. A tia Antonieta era uma segunda mãe para mim e para as minhas duas irmãs. Naqueles idos, tinha somente duas irmãs.

Depois do almoço quando para lá íamos, ficávamos até o chamado café-das-duas como muito bem a tia chamava.

Ficávamos sempre em cima do pé-de-goiaba. Atirando em passarinhos e comendo as verdosas goiabas.
Intercalávamos também algumas brincadeiras como jogo de bila ou de triângulo no úmido terreno daquele quintal, onde também se desfrontavam graviolas, tomates-cereja e também lá junto à cerca dos fundos, mamoeiros.

Do que tinha mais medo era da velha cadeira de couro meio surrada onde se sentava o “Manel”, um velho senhor criado dos pais da tia. Ia para lá todos os dias tomar café, sentar um pouco. O coitado de bengala andava bem devagarinho seja pela idade, seja pelo reumatismo. Acho que trabalhava no sitio da serra para os pais já falecidos da tia Antonieta. E, como ficara órfão de patrões e sem forças, arrastava-se todos os dias, exalando um cheiro insuportável de urina.

À noite, minha mãe saía para ensinar no Colégio Nossa Senhora das Graças, conhecida como Providência. Ensinava de 19h à 22:00h. Eram tantas disciplinas que nem sei como minha mãe dava conta: Literatura Portuguesa, Literatura Inglesa, Pedagogia, Português, Inglês...Puxa!, naquela idade nem sabia o que significava esta tal de Pedagogia. A noite era uma eternidade para nós crianças. Acabávamos passando as primeiras horas da noite na casa da tia Antonieta, muitas vezes no seu colo.

E a tia, desprovida de qualquer maldade, contava-nos histórias de trancoso que nos fazia tremer de medo. Eram histórias do Gato de Botas, da Alma Penada, do Barba Azul e de inúmeras outras que ela terminava com um ditado: “De dia para os vivos, de noite para os mortos”.  Pense num medo que percorria os espinhaços e nos fazia correr para casa esperar a mamãe!

Hoje sempre me encontro com a tia Antonieta aqui em Fortaleza e continuo tendo um carinho imenso por ela.

Luiz Lopes Filho,  março de 2001

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