terça-feira, 4 de outubro de 2011

Correndo e Divagando

Hoje é dia 10/01/2007, acordei meio preguiçoso, talvez pelo acúmulo de frações de sono perdidas ou interrompidas por sonhos desagradáveis;
Abri a janela, o sol já havia percorrido 30% de seu percurso que nos interessa. Coloquei meu boné, tênis, calção, camisa e mp3. Desci o elevador, cumprimentei o porteiro com um bom-dia entravado, mas simpático. Alonguei-me e olhei para os dois lados do passeio. Para frente o Parque do Cocó, circundando o Shopping Iguatemi; para o lado, a trilha do Parque Adahil Barreto. Segui por esta pela trilha úmida, pisando sobre pequenas pontes de madeira que me respondia com um oco som de tábuas soltas.
Respirava o odor misto de madeira e água dormida do rio Cocó, que se acelerava com o ritmo da corrida. Não chega a ser desagradável, mas se alterna em um bom cheiro de campo com o mal cheiro de mangue.
Neste horário há mais casais de idade médio-avançada do que jovens e, isto me faz sentir um verdadeiro atleta, ultrapassando a todos em sua lenta caminhada.
Gradativamente saio deste cenário e mergulho nas músicas antigas de Roberto Carlos. Meu Deus, quem gravou Roberto Carlos neste mp3? Totalmente incoerente correr ouvindo tão antigas músicas! Prefiro músicas tecno.
Mas, pela dificuldade ou mesmo preguiça, continuo nesta faixa de músicas melancólicas e…pensando bem, de um poder impressionante de transporte ao passado. Voltei à década de 70, com 10 anos de idade.
No quintal, um velho trilho que tinha suas abas enferrujadas pela umidade das chuvas de março, limitava nosso pátio de brincadeiras que hoje não se vêem mais pelas ruas do interior, que dirá da capital. Sob a videira que meu tio plantou e que tinha como fruto uma rala sombra, pois uva só se via estampada nos envelopes de ksuco, que eram sachês de sucos de uva sem quaisquer função de nutrição, apenas como conteúdo dos saquinhos de picolés caseiros que lotavam o congelador da velha geladeira Cônsul. No varal, meias velhas, uma calça de tergal cinza escura, um vestido estampado da criada e camisas de botão e mangas com um corte triangular no ombro. Aliás, nunca sabia o porquê daquele vinco na manga das camisas.
Riscava-se o fona, uma linha no chão molhado e de outro lado, atrás de um triângulo riscado no chão, jogava-se a bila, uma bola-de-gude na linguagem dos meninos da capital. Havia bilas maiores que chegavam até três centímetros de diâmetro, azuis escuras com alguma falha de moldagem em forma de bolha de ar que a tornava mais brilhante e bonita, invejada até pelos demais meninos que participavam da brincadeira.
Um arremesso mais forte lançava a bila para além da linha do fona, outro mais fraco a distanciava da almejada linha. O vencedor, o primeiro a iniciar a partida, era aquele a mais se aproximar da linha do fona.
Os bojos tinham que ser percorridos e, após todos os três bojos acertar, o menino mais danado ganhava as bilas dos outros. Saía com o saco cheio de bilas, com a inveja estampada no rosto das demais crianças.
Onze horas, horário de estar com as mãos lavadas sentado à mesa para o almoço. Depois do almoço era hora de juntar as moedas que teimavam em não sair do porquinho de plástico da Caderneta de Poupança Terra ou Domus para ir na bodega comprar mais bilas.
E assim passava-se a tarde de férias da minha infância.
No entardecer já a brincadeira alternava-se para o triângulo. O local mais disputado era sobre o greide da linha férrea. Havia os trilhos de percurso normal da estrada irmanados por dormentes cheios de cogumelos. Havia os trilhos do desvio, próprio para permitir-se a passagem doutro trem em sentido contrário ou que ali pernoitava.
Pense num medo que as crianças tinham destes cogumelos. Se pisasse neles, nascia uma ferida, uma frieira, se pegasse nele e tocasse a boca, se envenenava.
A partir de cinco da tarde os trilhos ficavam cheio de pequenos grupos de meninos, seja  daqueles que moravam em ruas defronte à linha férrea, seja daqueles que vinham de bairros distantes como a Praça da Matriz, a Rua São José e da Rua Siqueira.
A brincadeira de triângulo consistia no uso de uma pequena haste de ferro com 15 centímetros de comprimento, pontiagudo numa extremidade e virado noutra ponta em forma de alça para servir de suporte.
Desenhava-se um triângulo no chão úmido e, ao lado uma risca. No máximo três jogadores que tinha cada vértice do triângulo como ponto de partida. Iniciava-se a partida aquele que acertasse ou mais se aproximasse da risca. Daí em diante, lançava-se a haste no chão e interligava segmentos riscados no chão partindo-se de cada vértice do triângulo, buscando fechar o percurso dos demais. Perdia a vez o jogador que não conseguisse enfiar a haste no chão no lançamento.
Como não se tinha moedas ou bem menor para se apostar naquele jogo de brincadeira, as orelhas eram colocadas na disputa. Antes do início do jogo, apostava-se quantas chulipas o vencedor podia dar nos demais. Chulipa era deixar a orelha vermelha com uma navalhada do dedo indicador. O que mais interessava além de ver a orelha do amigo vermelha era o barulho que fazia no ato, chuleeepooo!
Terminava-se mais uma vez uma rotina de brincadeiras daquela época……
Voltei então deste cenário distante e vi em minha atividade física matinal como o tempo voa, nem percebi que havia percorrido 8km sem nada ver entorno, nem por quem havia cruzado. Começou a tocar U2.

Nenhum comentário:

Postar um comentário