terça-feira, 4 de outubro de 2011

Aniversário de 95 anos de minha Vó (escrito pela minha mãe)

 ANIVERSÁRIO DE MINHA MÃE

Hoje, ao ver minha mãe fazendo 95 anos de idade, desperta em mim a lembrança da minha infância, de como era vida àquela época quando criança, de mente em formação, de descobertas e de absorção de tudo que eu podia captar naquela família simples de gestos e atitudes admiráveis.

Mulher alegre, religiosa, levava os filhos à igreja, participava das novenas e nós fazíamos parte da Cruzadinha, um grupo de crianças da paróquia de Santa Quitéria, sob orientação de dona Lourdinha Benevides que comandava as pequenas visitas e orações que fazíamos todas as tardes na igreja matriz.

O vigário, Padre Ximenes, estava sempre atento aos atos religiosos envolvendo estas crianças, que aos poucos, ia formando seu caráter e cultivando o lado cristão. Mamãe se empenhava em nos vestir com aquela vestimenta de gala, toda branca de saia pregueada e boina de feltro para participar dos festejos religiosos.  Também, lembro de como era bonita e graciosa (comparando-a com as mães de nossas amigas), principalmente quando se aprontava aos domingos para conosco ir à missa acompanhada de meu pai.

Se pudesse, teria gravado em imagens digitais aquelas históricas cenas comuns em nossa casa. Mas como? Se não havia máquina fotográfica, nem muito menos filmadora? Só me resta pescar em algum recanto da minha memória esses flashes que, vez por outra, ressurgem quando nós, filhos, reunimo-nos e, com saudades vamos descortinando a mente e descrevendo um e outro acontecimento da nossa vida em comum.

Éramos a princípio, quatro filhas pequenas, a mais nova com apenas seis meses, quando chegamos à Santa Quitéria, vindos de Reriutaba, em 1949 para ali morar. A escolha da nova cidade surgiu porque meu pai como comerciante e fabricante de calçados, viu a necessidade de morar numa cidade promissora para seu comércio. Enquanto mamãe direcionava seu interesse para a educação de seus filhos.

Santa Quitéria já se destacava pelos seus filhos ilustres, homens de cultura, como ela sempre falava. Logo cedo nos matriculou na escola pública que ficava logo atrás de nossa casa: Grupo Escolar Júlia Catunda. Lá estudei do lº ao 5º ano primário. Era tempo que havia disciplina severa e a palmatória ficava na mesa à disposição da professora para punir os alunos com bolo quando não sabia de cor a tabuada ou a leitura. Isso era muito bem aceito pelos pais que até elogiava a professora quando usava dessa prática, hoje tão desabonadora!

Em casa, minha mãe falava com orgulho para as amigas de quanto suas filhas eram estudiosas e inteligentes, mostrava nossas notas e ainda fazia-nos a ler páginas e mais páginas do nosso primeiro livro, a Cartilha do Povo, para provar o que ela afirmava. E isso eu tenho certeza, não era por exibicionismo , era uma maneira de nos encorajar para mais e mais desenvolvêssemos o gosto pelo saber, pela cultura, pois era essa a única forma de crescimento de uma pessoa. E sabemos que o estudo dela era apenas elementar, na sua época as mulheres se limitavam mais nas prendas domésticas. Mas mesmo assim, ela tinha uma visão diferente e queria mais para os filhos.

Fomos crescendo e, em Santa Quitéria nasceram-lhe mais quatro filhos. Todos sob a mesma orientação; “Estudem meus filhos que só com estudo é capaz de se vencer na vida!”

Fomos criados dentro de uma disciplina não muito severa, havia amor, compreensão, mais havia também castigo quando éramos levados pelas traquinagens. Eu mesma fui autora de várias. Aprontei muitas e ainda hoje recordo das situações difíceis que impusera a minha mãe e a meu pai. Depois de tudo esclarecido tornava–se graça para a meninada. Esperta, ajudava papai na sua labuta diária e a minha mãe nos afazeres de casa.

Tempo bom! Família grande, oito filhos, as mulheres em maior número, seis, e as primeiras, era natural que tomassem o comando dos irmãos menores. E não havia disso, atividade de homem ou de mulher. Nós fazíamos de tudo, não só nos afazeres domésticos como também ajudava papai no seu ofício. Éramos úteis em casa. Brincávamos, trabalhávamos e estudávamos. Tínhamos noção de como era a vida com seus problemas, seus encantos, magia e sonhos...

Sonhos alimentados pela mamãe. Ela dizia com determinação que não havia obstáculo que nós não pudéssemos transpor quando se quer alcançar algo na vida. E esse algo para ela era o estudo, um aliado na vida de quem quer chegar ao cume. E foi assim que minha mãe conseguiu ter a família que tem. Não somos ricos, mas somos favorecidos de muitos bens e o maior deles é tê-la como mãe!

Outro segmento que muito favoreceu para sua longevidade foi de cultivar amizades. Foi sempre uma pessoa cativante, soube acatar muita gente em sua casa. Ajudou a outros jovens a também estudar, como foi o caso de filhos de amigos que morava na zona rural e ela disponibilizou sua casa para que pudessem freqüentar o colégio. Era interessante essa máxima dela! E isso marcou muito na nossa formação.

Não se importou de ficar sem nossa ajuda em casa e sabemos que fizemos falta quando saímos para estudar fora a fim de concluir nossos estudos. Tenho consciência de quanto se sacrificou para que nós continuássemos estudando. Era um orgulho! As filhas estão estudando! E dentro do possível correspondemos, satisfizemos o grande ideal dela. Estamos todos com formação acadêmica e seus netos também seguem a mesma linha de conduta.

Os anos se passaram. O ciclo da vida fez sair de cena muitos vizinhos, amigos, compadres, parentes, mas vieram outros e mais outros. Novas amizades se sucederam. Vieram outros vizinhos e até outras famílias se juntaram à nossa. Casamos e tivemos filhos e nossos filhos também casaram e vieram nossos netos e seus bisnetos. Mamãe em tudo se fez presente. Com sua sadia imponência ao desfilar faceira nos cortejos das cerimônias religiosas de casamento dos filhos e depois, dos netos. Altiva e sem modesta, expande sua alegria nos bailes onde dança com os genros, com os filhos e netos também.

Admirável, como fica feliz ao saber que todos estão bem. E quando algum neto precisa de orações para alcançar alguma graça, recorre a ela. Mas tem que ficar na fila, pois ela sabe organizar seus pedidos para não confundir os Santos. Vai rezando e rezando até que alcance a graça de um pra iniciar as orações em benefício de outro.. E tem poder. Podes crer!

Nesta fase de vida, após superar dois problemas de sáude (dos quais nunca fala) tem a sensibilidade de encorajar os que estão desanimados.

Se arruma, se perfuma, é vaidosa. Sempre teve um ar juvenil. A velhice não conseguiu ofuscar sua alegria. E quando alguém se atreve a indagar: Dona Iraídes, como é que a senhora tem noventa e cinco anos e é tão nova? Não lhe vejo rugas! E sorrindo, ela diz: "Cada um tem a idade do seu coração, da sua experiência, da sua fé. É preciso chegar aqui para saber o quanto somos jovens.”

Sabemos de seu esforço para vencer o cansaço inerente à idade, mas reconhecemos que você está aqui, graças à sua maneira de encarar a vida, não alimentando animosidade, pregando sempre a união, cultivando sempre o amor, a fraternidade e a amizade entre todos.

Tudo que temos e somos, devemos a você minha mãe. Senhora da sabedoria de vida.

Nossa grande mestra!
Parabéns!

Sua filha, Odali

Fortaleza, 01/05/2010

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