domingo, 30 de outubro de 2011

Estação Ferroviária


"Esta moldura não somente lembra a estação ferroviária, nem tampouco nossa Reriutaba. Ela consegue numa estática e calada imagem trazer-nos lembranças de nossas viagens, de nossa infância e juventude. Por ela passa um filme de longa duração. Filme este onde pudemos sentir o cheiro do mato verde pela janela do trem quando vínhamos passar um feriado na terrinha. Por ela podemos ouvir o tilintar do abridor de garrafas ao passar um funcionário da RFFSA pelo corredor do trem oferecendo refrigerantes. Por ela podemos ouvir o trec-trec do perfurador de passagens pelo chefe de trem. Por ela podemos ouvir o Seu Saldanha tocando o sino da estação após telegrafar e confirmar a saída do horário da cidade do Ipu. E, a partir de então, poderíamos saber se viajaríamos sentados ou em pé, pois somente após a partida do Ipu, poder-se-ia vender poltronas no tão sonhado Sonho Azul.
Estudando em Fortaleza ou não, todos nós podemos extrair desta foto um punhado de saudades, de alegrias e de tantas emoções vividas em tão lembrado prédio ferroviário. Podemos lembrar até do carro da Cobal que oferecia tantos produtos mais baratos dentre outras novidades. E, puxando um pouco mais pela memória, quem não pescou ou tomou banho no rio da ponte?! O tempo enfim se vai, mas as lembranças ficam estampadas em tão sugestiva fotografia".

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A galinha que se escondeu atrás do caixão de São Vicente



A galinha que se escondeu atrás do caixão de São Vicente


Nos idos de 1975, quando tinha uns 8 anos, havia um armazém de secos e molhados que pertencera ao seu Luís Taumaturgo.

Era um depósito antigo onde se guardavam as safras de oiticica, cera de carnaúba em pó e em blocos que pareciam rapaduras escuras, além de castanha de caju e fardos de algodão. Naquela época nosso município tinha muitas safras e, sem programas governamentais de melhoria de renda, restava então trabalhar. Ah, como era bom quando os caminhões iam transportar o algodão para Sobral. O armazém era aberto antes dos velhos chevrolets chegarem; e nós, crianças vizinhas, ficávamos escalando aqueles fardos de algodão. Eram nossos pula-pula de antigamente.

Saía um pó fino daqueles fardos, mas nunca pegavámos resfriados daquilo, nem nossas mães preocupavam-se se iríamos cair ou não. As pilhas de algodão ultrapassavam a altura das espessas paredes internas e se batiam com os sacos de oiticica do lado oposto.

Debochava de meu primo que tinha medo de escalar as pilhas mais altas. A brincadeira acabava quando os chevrolets chegavam.

Nos fundos do velho armazém havia um terreno onde se erguia um velho pé de canafístula, poleiro de muita sabiá, rolinhas e azulões. Era do muro do quintal lá de casa que eu passava o dia a mirar os galhos da canafístula, tentando derrubar um azulão ou uma rolinha.

A espingarda de pressão foi um presente de meu pai; e que presente!. Depois de chegar do colégio e o sol cair mais um pouco, subia o muro. Era eu ficando livre das obrigações colegiais e os passarinhos livres para cantar naquela frondosa canafístula.

O Pedim da Dona Quita, amigo meu, tinha melhor mira em baladeira, como assim chamávamos os estilingues de hoje; até porque vivia no meio rural chamado Caiçara e passava as férias caçando. Tinha inveja dele por não ter tão boa mira na baladeira e ele, sem dúvida, de mim, por não ter minha boa mira na espingarda. Dizia ele que se eu acertasse o coração de um beija-flor e engoli-lo ainda tremulando, não erraria mais um tiro. E haja chumbinho tentando matar um beija-flor que, para graça da ecologia, nunca consegui.

Como a arma da vez era a espingarda, ele tinha direito a um tiro caso descesse o muro para o quintal do seu Luís Taumaturgo para pegar algum passarinho abatido pela ingênua maldade daqueles meninos. E isto era o que mais dava medo: descer ao velho quintal e ficar bem perto do caixão de defuntos de São Vicente. Na verdade, aquele caixão era um meio de transporte de pessoas que sequer tinham uma rede para serem transportadas até o cemitério Nossa Senhora do Carmo. Não sei se era a Paróquia ou a Prefeitura que doava este transporte funeral para estes infortunados que, ao serem enterrados, devolviam o velho caixão; não sei se agradeciam ou reclamavam até porque ficava folgado para alguns e apertado para outros. Era guardado num quartinho abandonado e sem portas nos fundos do armazém do seu Luís Taumaturgo.

Quando algum pássaro baleado caía mais para a direita, víamos o caixão: meio losangular, de tecido preto, encostado à parede, com duas fitas brancas em forma de cruz centralizadas em sua tampa. Não havia medo maior do que se deparar com aquela imagem.

Mas sempre quando descíamos ao velho quintal, olhávamos de entreolho para o caixão e corríamos escalando o muro com os peitos e barriga, se arranhando e pulando mais alto do que era possível, como se os defuntos fossem nos aparecer e reclamar do desconforto caixão de São Vicente. Este era o preço que o Pedim pagava para usar a espingarda de pressão e eu, quando queria caçar sozinho.

Certo dia, meu pai ao chegar do trabalho notou a falta de uma galinha do quintal lá de casa e, para nosso temor concluiu logo que tinha fugido para o vizinho: o difamado armazém onde se guardava o caixão.

Subimos o muro e logo vi a galinha cacarejando e caminhando para o quartinho onde guardavam o caixão.

Gritei lá de cima do muro:
- Papai, a galinha não pulou pra cá!
- Que conversa, menino! Deixa eu subir este muro.
-Puxa vida, o papai vai ver. Pensei falando.
-Desça! Vá lá embaixo pegar a galinha!

Desci, atemorizado e, ao me deparar com a galinha atrás do caixão, sequer pisquei os olhos, corri de volta, dei um pulo tão alto que consegui segurar no topo do muro!

Papai não ficou decepcionado com meu medo do caixão e sim surpreso com tanta força ao escalar o muro de uma só vez. É a força do medo! E a galinha lá ficou.

Depois ficamos rindo da palidez de meu rosto e dos olhos esbugalhados do Pedim.

Papai depois chamou o Fifiu ou foi o Sacola, meninos que faziam recados naquela época, para resgatar a galinha detrás do caixão de São Vicente.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Tia Terezinha Taumaturgo




Quando criança, chamava-a de tia-madrinha. Casada com o tio Assis Lopes, irmão de meu pai, tia Terezinha trabalhou na Junta Militar e, ao sábados, dia de  feira em Reriutaba, ajudava o marido na farmácia.

Sempre procurava aconselhar os filhos e também os sobrinhos no intuito de acabar com rixas, brigas infantis e mal entendidos entre irmãos. Parecia uma mãe de todos preocupada com tudo.

Lembro-me que pelos anos de 1976, a meningite ameaçava o interior, chegando a vitimar algumas crianças. Tia Terezinha juntou o máximo de crianças que pode: filhos, sobrinhos, vizinhos e, com muitos braços embarcou todos na velha linha de ônibus Horizonte para Fortaleza, buscando vacinar todos. Para nós, parecia que a meningite corria atrás do ônibus. A lentidão da Horizonte pela estrada carroçal até Sobral tornava-nos presas fáceis da doença que nos espreitava. Somente quando chegamos na via asfaltada é que nos sentimos seguros. Fomos todos vacinados pela Tia Terezinha!

Na igreja sempre foi uma colaboradora, decorando o altar, ajudando ao Monsenhor Ataíde a melhor agrupar e aumentar o rebanho, principalmente entre jovens. Deixava a missa de domingo mais bonita e a festa da Padroeira Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro mais brilhante.

Ainda hoje é assim! Simpática e amável! Preocupada e consoladora!

Ah, hoje é seu aniversário! Que Jesus lhe conceda saúde e felicidades como sempre você buscou para tantos nesta caminhada!

Luiz Lopes Filho, 21 de outubro de 2011







Cachoeira do Juré

“Num inverno distante, sob a cachoeira espumante, lembro-me da vida feliz e nada estressante!
Na estrada carroçal, o velho fusca piava a caminho do rio Juré!
Na frente, papai e mamãe, atrás os meninos, as marmitas e os refrigerantes!
Sobre as pedras ensombreadas, lá nós descançávamos e no ronco da cachoeira nos deleitávamos!
Alegria molhada, areia nos pés e a felicidade no rosto estampada!.
De volta à cidade, a chuva tinia e o meio-fio de água se entupia!
Era tanta água que das cobertas saía,  que pelos jacarés eclodia!
Anunciando um inverno alegre que gritava pelos quintais “tira a lenha da chuva” Avia!
Trocando o calção molhado, pelas calçadas saía!
Barquinhos de papel fazia e até a esquina acompanhava
E o barquinho a correnteza afundava” !

domingo, 9 de outubro de 2011

Reriutaba Clube

Reriutaba Clube
Não me lembro qual foi a primeira vez que adentrei ao Reriutaba Clube. Quando criança, acompanhando meus pais num domingo de carnaval? Provavelmente!
O Reriutaba Clube faz parte de todos nós, reriutabenses. Foi lá que tentei dançar pela primeira vez forró sem saber, foi lá que tantos de nós ficamos com a garota que sonhávamos namorar.
A saudade maior que tenho do clube foi nos idos de 1990. Era 3ª feira de carnaval. Último dia de folia!......o dia já estava raiando e ainda se ouvia a banda tocar uma marchinha famosa. Caminhava pela rua do Ginásio Raimundo Mesquita e ia deixar a namorada em casa. Eram 5 da manhã. Ficaram gravadas em minha memória estas imagens: O Reriutaba-Clube e sua banda, a lembrança da namorada, a banca de café do Manel da Nana, a banca do Seu Antenor, as saudosas ruas de um carnaval distante que o tempo desbota pouco a pouco!.
No Reriutaba Clube vi a moralidade na administração do Sr Antônio Ximenes, do Dr Osvaldo Lemos, do Sr Adjemir, e de meu pai, Sr Lulu.
Cuidavam do clube tanto quanto o arrumar de suas gravatas.  É......não  se podia entrar no clube sem paletó, nem muito menos sem gravata em determinadas festas.
Lembro-me bem que numa Festa das Moças entrei no Reriutaba Clube e meu pai estava na diretoria. Porém, lá dentro resolvi tirar a gravata. Estavam numa mesa de madeira pintada de verde lousa e um número em branco 125:  eu, os Tatás, o Zé Jr, o Zé Antônio do Seu Dola, o Hélio e meu primo, Marcelo. O Antônio Macedo tirou uma foto nossa. Quando meu pai viu a foto, semanas depois, deu uma bronca. – Como você tira a gravata numa festa destas? Que absurdo! Eu barrando pessoas sem paletó, sem gravata e você sem gravata dentro do clube!
16 anos de idade! Quanta simplicidade em tudo! No respeito às garotas, aos senhores da sociedade, à própria Reriutaba!
Todos sabiam nossos passos, quem bebia um pouco mais, quem quebrava um copo (mesmo sem querer), quem resolvia errar!.
Era ruim? Talvez! Mas era uma forma de dotar aquele simples clube num paço social, num lugar de diversão e respeito! Eis minha Reriutaba que tenho saudade!
Eis a sociedade reriutabense dos idos de 1980! E doravante começou a decadência do Reriutaba Clube que culminou nesta triste imagem que infra-destaco:


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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Breves Diálogos

Conversando com um grande amigo meu, Dr Lucídio, que também tem origens no interior e vivenciou as coisas do sertão, comentei com ele como é difícil você sair cedo de seu lar para estudar na capital, sozinho, em casa de tios, sem telefone, apenas com uma carta por semana que minha mãe me escrevia. Ele me contou como foi sair de Teresina para estudar em Recife e que hoje estava vivenciando a distância de sua filha para outras terras. Eu lhe sintetizei como foi minha viagem  naquele dia 07 de dezembro de 1978.

A partida de Reriutaba para Fortaleza de trem.

Lucídio,
Era uma sexta-feira do dia 07 de dezembro de 1978.
Da minha casa para a estação era pertinho, tanto é que costumava pegar carreira com meus primos pra ver quem chegava primeiro.
Naquela manhã, a estação ferroviária parecia distar quilômetros de minha casa.
O trem que tanta alegria me trazia diariamente, naquele dia só me trazia dor-de-barriga. Caminhava com uma mala vermelha apertada de roupas como meu coração de saudades. Saudades nem sei de quê, era de tanta coisa. Dos meus pais, da minha casa, do meu colégio, dos meus amigos, do inverno, do São João, do Natal, enfim da própria infância que parecia me escapar entre os dedos, ficando ali naquela rua.
O sol encobria de suor as lágrimas que teimavam em apontar nos cantos dos olhos. Assim parti para vir estudar aqui em Fortaleza. Nunca esquecerei.
Após tantos anos, ainda guardo a oração que minha mãe colocou para mim na bolsinha lateral da mala.
O resto desta história você ainda lerá num livro que pretendo escrever.

Com apreço, Luiz Lopes Filho, 16/02/2006


Eis a oração que ainda hoje rezo:
Senhor,
No silêncio deste dia que amanhece, venho pedir-Te a Paz, a Sabedoria, a Força.
Quero olhar hoje o mundo com os olhos cheios de amor; ser paciente; compreensivo, manso e prudente.
Ver além das aparências teus filhos como Tu mesmo os vês, e assim não ver senão o bem em cada um.
Cerra meus ouvidos a toda calúnia.
Guarda minha língua de toda maldade.
Que só de bênçãos se encha meu espírito.
Que eu seja tão bondoso e alegre, que todos quanto se achegarem a mim,    sintam Tua presença.
Reveste-me de Tua beleza, Senhor,e que no decurso deste dia eu Te revele a todos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tia Antonieta

Tia Antonieta


 
Falar de minha infância, é lembrar da tia Antonieta. Nossa vizinha, pulando a calçada do seu Joaquim Morais. À frente de nossas casas (a do meu pai e a do seu Joaquim), duas frondosas algarobas onde todos os dias após o almoço me sentava descascando uma laranja ou um pedaço de cana-de-açucar. Muitas vezes contando os vagões de um cargueiro que diariamente passava na linha férrea à frente de nossa casa.

Depois era correr para a tia Antonieta. Casa mais simples com uma pequena varanda na entrada delimitada por um portãozinho. Havia uma janela lateral de venezianas e paredes sempre de cor rósea em tinta hidracor. No primeiro quarto uma sala com muitas revistas. Os quartos-de-dormir ficavam no meio. O último era o da tia Antonieta, mais arejado por uma janela que se abria para uma varanda interna. Duas salas, uma de estar e outra de jantar. Uma pequena varanda ao lado da sala de jantar e, por fim, antes do quintal uma cozinha e um pequeno banheiro lateral.

Era uma casa alegre. A tia Antonieta era uma segunda mãe para mim e para as minhas duas irmãs. Naqueles idos, tinha somente duas irmãs.

Depois do almoço quando para lá íamos, ficávamos até o chamado café-das-duas como muito bem a tia chamava.

Ficávamos sempre em cima do pé-de-goiaba. Atirando em passarinhos e comendo as verdosas goiabas.
Intercalávamos também algumas brincadeiras como jogo de bila ou de triângulo no úmido terreno daquele quintal, onde também se desfrontavam graviolas, tomates-cereja e também lá junto à cerca dos fundos, mamoeiros.

Do que tinha mais medo era da velha cadeira de couro meio surrada onde se sentava o “Manel”, um velho senhor criado dos pais da tia. Ia para lá todos os dias tomar café, sentar um pouco. O coitado de bengala andava bem devagarinho seja pela idade, seja pelo reumatismo. Acho que trabalhava no sitio da serra para os pais já falecidos da tia Antonieta. E, como ficara órfão de patrões e sem forças, arrastava-se todos os dias, exalando um cheiro insuportável de urina.

À noite, minha mãe saía para ensinar no Colégio Nossa Senhora das Graças, conhecida como Providência. Ensinava de 19h à 22:00h. Eram tantas disciplinas que nem sei como minha mãe dava conta: Literatura Portuguesa, Literatura Inglesa, Pedagogia, Português, Inglês...Puxa!, naquela idade nem sabia o que significava esta tal de Pedagogia. A noite era uma eternidade para nós crianças. Acabávamos passando as primeiras horas da noite na casa da tia Antonieta, muitas vezes no seu colo.

E a tia, desprovida de qualquer maldade, contava-nos histórias de trancoso que nos fazia tremer de medo. Eram histórias do Gato de Botas, da Alma Penada, do Barba Azul e de inúmeras outras que ela terminava com um ditado: “De dia para os vivos, de noite para os mortos”.  Pense num medo que percorria os espinhaços e nos fazia correr para casa esperar a mamãe!

Hoje sempre me encontro com a tia Antonieta aqui em Fortaleza e continuo tendo um carinho imenso por ela.

Luiz Lopes Filho,  março de 2001

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Aniversário de 95 anos de minha Vó (escrito pela minha mãe)

 ANIVERSÁRIO DE MINHA MÃE

Hoje, ao ver minha mãe fazendo 95 anos de idade, desperta em mim a lembrança da minha infância, de como era vida àquela época quando criança, de mente em formação, de descobertas e de absorção de tudo que eu podia captar naquela família simples de gestos e atitudes admiráveis.

Mulher alegre, religiosa, levava os filhos à igreja, participava das novenas e nós fazíamos parte da Cruzadinha, um grupo de crianças da paróquia de Santa Quitéria, sob orientação de dona Lourdinha Benevides que comandava as pequenas visitas e orações que fazíamos todas as tardes na igreja matriz.

O vigário, Padre Ximenes, estava sempre atento aos atos religiosos envolvendo estas crianças, que aos poucos, ia formando seu caráter e cultivando o lado cristão. Mamãe se empenhava em nos vestir com aquela vestimenta de gala, toda branca de saia pregueada e boina de feltro para participar dos festejos religiosos.  Também, lembro de como era bonita e graciosa (comparando-a com as mães de nossas amigas), principalmente quando se aprontava aos domingos para conosco ir à missa acompanhada de meu pai.

Se pudesse, teria gravado em imagens digitais aquelas históricas cenas comuns em nossa casa. Mas como? Se não havia máquina fotográfica, nem muito menos filmadora? Só me resta pescar em algum recanto da minha memória esses flashes que, vez por outra, ressurgem quando nós, filhos, reunimo-nos e, com saudades vamos descortinando a mente e descrevendo um e outro acontecimento da nossa vida em comum.

Éramos a princípio, quatro filhas pequenas, a mais nova com apenas seis meses, quando chegamos à Santa Quitéria, vindos de Reriutaba, em 1949 para ali morar. A escolha da nova cidade surgiu porque meu pai como comerciante e fabricante de calçados, viu a necessidade de morar numa cidade promissora para seu comércio. Enquanto mamãe direcionava seu interesse para a educação de seus filhos.

Santa Quitéria já se destacava pelos seus filhos ilustres, homens de cultura, como ela sempre falava. Logo cedo nos matriculou na escola pública que ficava logo atrás de nossa casa: Grupo Escolar Júlia Catunda. Lá estudei do lº ao 5º ano primário. Era tempo que havia disciplina severa e a palmatória ficava na mesa à disposição da professora para punir os alunos com bolo quando não sabia de cor a tabuada ou a leitura. Isso era muito bem aceito pelos pais que até elogiava a professora quando usava dessa prática, hoje tão desabonadora!

Em casa, minha mãe falava com orgulho para as amigas de quanto suas filhas eram estudiosas e inteligentes, mostrava nossas notas e ainda fazia-nos a ler páginas e mais páginas do nosso primeiro livro, a Cartilha do Povo, para provar o que ela afirmava. E isso eu tenho certeza, não era por exibicionismo , era uma maneira de nos encorajar para mais e mais desenvolvêssemos o gosto pelo saber, pela cultura, pois era essa a única forma de crescimento de uma pessoa. E sabemos que o estudo dela era apenas elementar, na sua época as mulheres se limitavam mais nas prendas domésticas. Mas mesmo assim, ela tinha uma visão diferente e queria mais para os filhos.

Fomos crescendo e, em Santa Quitéria nasceram-lhe mais quatro filhos. Todos sob a mesma orientação; “Estudem meus filhos que só com estudo é capaz de se vencer na vida!”

Fomos criados dentro de uma disciplina não muito severa, havia amor, compreensão, mais havia também castigo quando éramos levados pelas traquinagens. Eu mesma fui autora de várias. Aprontei muitas e ainda hoje recordo das situações difíceis que impusera a minha mãe e a meu pai. Depois de tudo esclarecido tornava–se graça para a meninada. Esperta, ajudava papai na sua labuta diária e a minha mãe nos afazeres de casa.

Tempo bom! Família grande, oito filhos, as mulheres em maior número, seis, e as primeiras, era natural que tomassem o comando dos irmãos menores. E não havia disso, atividade de homem ou de mulher. Nós fazíamos de tudo, não só nos afazeres domésticos como também ajudava papai no seu ofício. Éramos úteis em casa. Brincávamos, trabalhávamos e estudávamos. Tínhamos noção de como era a vida com seus problemas, seus encantos, magia e sonhos...

Sonhos alimentados pela mamãe. Ela dizia com determinação que não havia obstáculo que nós não pudéssemos transpor quando se quer alcançar algo na vida. E esse algo para ela era o estudo, um aliado na vida de quem quer chegar ao cume. E foi assim que minha mãe conseguiu ter a família que tem. Não somos ricos, mas somos favorecidos de muitos bens e o maior deles é tê-la como mãe!

Outro segmento que muito favoreceu para sua longevidade foi de cultivar amizades. Foi sempre uma pessoa cativante, soube acatar muita gente em sua casa. Ajudou a outros jovens a também estudar, como foi o caso de filhos de amigos que morava na zona rural e ela disponibilizou sua casa para que pudessem freqüentar o colégio. Era interessante essa máxima dela! E isso marcou muito na nossa formação.

Não se importou de ficar sem nossa ajuda em casa e sabemos que fizemos falta quando saímos para estudar fora a fim de concluir nossos estudos. Tenho consciência de quanto se sacrificou para que nós continuássemos estudando. Era um orgulho! As filhas estão estudando! E dentro do possível correspondemos, satisfizemos o grande ideal dela. Estamos todos com formação acadêmica e seus netos também seguem a mesma linha de conduta.

Os anos se passaram. O ciclo da vida fez sair de cena muitos vizinhos, amigos, compadres, parentes, mas vieram outros e mais outros. Novas amizades se sucederam. Vieram outros vizinhos e até outras famílias se juntaram à nossa. Casamos e tivemos filhos e nossos filhos também casaram e vieram nossos netos e seus bisnetos. Mamãe em tudo se fez presente. Com sua sadia imponência ao desfilar faceira nos cortejos das cerimônias religiosas de casamento dos filhos e depois, dos netos. Altiva e sem modesta, expande sua alegria nos bailes onde dança com os genros, com os filhos e netos também.

Admirável, como fica feliz ao saber que todos estão bem. E quando algum neto precisa de orações para alcançar alguma graça, recorre a ela. Mas tem que ficar na fila, pois ela sabe organizar seus pedidos para não confundir os Santos. Vai rezando e rezando até que alcance a graça de um pra iniciar as orações em benefício de outro.. E tem poder. Podes crer!

Nesta fase de vida, após superar dois problemas de sáude (dos quais nunca fala) tem a sensibilidade de encorajar os que estão desanimados.

Se arruma, se perfuma, é vaidosa. Sempre teve um ar juvenil. A velhice não conseguiu ofuscar sua alegria. E quando alguém se atreve a indagar: Dona Iraídes, como é que a senhora tem noventa e cinco anos e é tão nova? Não lhe vejo rugas! E sorrindo, ela diz: "Cada um tem a idade do seu coração, da sua experiência, da sua fé. É preciso chegar aqui para saber o quanto somos jovens.”

Sabemos de seu esforço para vencer o cansaço inerente à idade, mas reconhecemos que você está aqui, graças à sua maneira de encarar a vida, não alimentando animosidade, pregando sempre a união, cultivando sempre o amor, a fraternidade e a amizade entre todos.

Tudo que temos e somos, devemos a você minha mãe. Senhora da sabedoria de vida.

Nossa grande mestra!
Parabéns!

Sua filha, Odali

Fortaleza, 01/05/2010

Um dia de chuva

Um dia de chuva

O Natal já havia passado, a virada do ano já havia ficado para trás. Era o início de um novo ano. Com ele, vinham as primeiras chuvas. O prenúncio estava pintado no céu mais escuro, no mormaço da manhã, na revoada de pardais pelas copas das robustas castanholas no canteiro central da praça da matriz ou das algarobas que ensombravam a frente de muitas casas. A do seu Zezé, a do seu Demar, a da oficina do seu Mororó ou das algarobas gêmeas lá de casa e do seu Joaquim, nosso vizinho que possuía uma padaria no quarteirão do mercado.
As chuvas mais fortes aconteciam após o meio-dia. Chuvas pela manhã não eram tão bem-vindas quanto as da tarde. Corríamos para a calçada e já podíamos ver as nuvens escuras que se apontavam por detrás da estação ferroviária. Subíamos a linha do trem para melhor visualizá-las. Minha tia Antonieta não gostava quando dizíamos que o céu estava pretim de chuva. Era uma ofensa à natureza divina. No máximo teríamos que dizer o seu está carregado para chover.
De algumas casas ouvia-se o grito: tira a lenha do quintal, senão não tem fogo mais tarde! Começavam a cair grossos pingos de chuva que às vezes até doía no espinhaço. Talvez nem fosse tão forte assim, mas doesse pela fragilidade do corpo infantil.
Mamãe às vezes não deixava tomar banho no início da chuva, pois a evaporação das primeiras gotas no calçamento quente era na certeza gripe mais tarde para ser tratada. Papai também proibia o banho na primeira chuva. Nos jacarés (biqueiras com formato de boca de jacaré que saíam das fachadas das casas) e nos buracos de descidas de águas das chuvas, desciam com a primeira lavada do telhado, fezes de ratos, sujeiras diversas e isto era perigoso para a saúde. Eis o motivo da proibição. Nas chuvas seguintes os telhados estavam mais limpos e já se podia ver uma grande concentração de crianças que corriam pelos jacarés de cada rua, gritando e correndo em grande alegria. Eram muitos grupos de meninos, uns mais travessos, outros mais contidos. Uns vinham da Rampa, outros da Santa Cruz Velha, outros da Praça da Matriz. Uns bagunceiros, outros menos. Mas no geral, eram todos muito barulhentos.
Quando terminava a chuva forte e se iniciava um sereno fino, trocava o calção molhado, ensaboava-se e colocava uma roupa limpinha.
Pelos meio-fios das calçadas, corria muita água que desembocava mais adiante no Riacho da Ponte. Rasgávamos folhas de papéis de revistas Manchete, de revista Veja, de cadernos de espirais e fazíamos barquinhos de papel. Meu primo que morava próximo nunca sabia fazer um que prestasse. Geralmente tinha que fazer um barquinho a mais para brincar com ele. Colocava uma pedra no dobrar do papel para que nunca o dele ultrapassasse o meu. Logo o dele afundava para minha alegria e zombaria.
Do Riacho da Ponte, subiam inúmeras piabas e pequenos peixes, percorrendo o início da rua pelas sarjetas por onde percorriam a chuva caída. Com o pé, muitos meninos concentravam-se ao longo destas pequenas piracemas para pegar as piabas. Era uma pescaria que só terminava com o pôr-do-sol.
Corria para a cozinha, tratava as piabas e logo o cheiro corria pela casa. Não queria o jantar convencional. Só queria comer piaba com farinha. Até meus pais se alternavam entre o jantar normal e uma colherada desta iguaria de primeiras chuvas.

Depois das oito da noite, a mesa estava agora ocupada por jogadores de baralho que ali permaneciam até por volta das onze. Lá em casa pelo menos duas vezes por semana reuniam-se os amigos do papai para jogar buraco. Nunca apostavam, nunca se desentendiam, era um jogo sadio. Vinham seu Salim, seu Antônio Ximenes, o Silva, o seu Sandoval e sempre a Dó, uma simpática senhora da cidade que teimava em fazer parte do grupo de jogadores. Seu Antônio Ximenes tinha no pulso uma cicatriz que a encobria com uma pulseira.Meu pai falava que tinha sido uma queimadura. Ele sempre reclamava de mim quando abria a geladeira ao chegar suado das brincadeiras de bandeira ou de futebol. Mas gostava dele pela sua simpatia comigo. 

Quando o cheiro de piaba assada tomava conta da atenção dos amigos de meu pai, sempre alguém batia a mão na mesa, dizendo “bati”, ganhei o jogo! A vitória chegava talvez pela desatenção dos demais jogadores no delicioso cheiro de piaba assada.




Correndo e Divagando

Hoje é dia 10/01/2007, acordei meio preguiçoso, talvez pelo acúmulo de frações de sono perdidas ou interrompidas por sonhos desagradáveis;
Abri a janela, o sol já havia percorrido 30% de seu percurso que nos interessa. Coloquei meu boné, tênis, calção, camisa e mp3. Desci o elevador, cumprimentei o porteiro com um bom-dia entravado, mas simpático. Alonguei-me e olhei para os dois lados do passeio. Para frente o Parque do Cocó, circundando o Shopping Iguatemi; para o lado, a trilha do Parque Adahil Barreto. Segui por esta pela trilha úmida, pisando sobre pequenas pontes de madeira que me respondia com um oco som de tábuas soltas.
Respirava o odor misto de madeira e água dormida do rio Cocó, que se acelerava com o ritmo da corrida. Não chega a ser desagradável, mas se alterna em um bom cheiro de campo com o mal cheiro de mangue.
Neste horário há mais casais de idade médio-avançada do que jovens e, isto me faz sentir um verdadeiro atleta, ultrapassando a todos em sua lenta caminhada.
Gradativamente saio deste cenário e mergulho nas músicas antigas de Roberto Carlos. Meu Deus, quem gravou Roberto Carlos neste mp3? Totalmente incoerente correr ouvindo tão antigas músicas! Prefiro músicas tecno.
Mas, pela dificuldade ou mesmo preguiça, continuo nesta faixa de músicas melancólicas e…pensando bem, de um poder impressionante de transporte ao passado. Voltei à década de 70, com 10 anos de idade.
No quintal, um velho trilho que tinha suas abas enferrujadas pela umidade das chuvas de março, limitava nosso pátio de brincadeiras que hoje não se vêem mais pelas ruas do interior, que dirá da capital. Sob a videira que meu tio plantou e que tinha como fruto uma rala sombra, pois uva só se via estampada nos envelopes de ksuco, que eram sachês de sucos de uva sem quaisquer função de nutrição, apenas como conteúdo dos saquinhos de picolés caseiros que lotavam o congelador da velha geladeira Cônsul. No varal, meias velhas, uma calça de tergal cinza escura, um vestido estampado da criada e camisas de botão e mangas com um corte triangular no ombro. Aliás, nunca sabia o porquê daquele vinco na manga das camisas.
Riscava-se o fona, uma linha no chão molhado e de outro lado, atrás de um triângulo riscado no chão, jogava-se a bila, uma bola-de-gude na linguagem dos meninos da capital. Havia bilas maiores que chegavam até três centímetros de diâmetro, azuis escuras com alguma falha de moldagem em forma de bolha de ar que a tornava mais brilhante e bonita, invejada até pelos demais meninos que participavam da brincadeira.
Um arremesso mais forte lançava a bila para além da linha do fona, outro mais fraco a distanciava da almejada linha. O vencedor, o primeiro a iniciar a partida, era aquele a mais se aproximar da linha do fona.
Os bojos tinham que ser percorridos e, após todos os três bojos acertar, o menino mais danado ganhava as bilas dos outros. Saía com o saco cheio de bilas, com a inveja estampada no rosto das demais crianças.
Onze horas, horário de estar com as mãos lavadas sentado à mesa para o almoço. Depois do almoço era hora de juntar as moedas que teimavam em não sair do porquinho de plástico da Caderneta de Poupança Terra ou Domus para ir na bodega comprar mais bilas.
E assim passava-se a tarde de férias da minha infância.
No entardecer já a brincadeira alternava-se para o triângulo. O local mais disputado era sobre o greide da linha férrea. Havia os trilhos de percurso normal da estrada irmanados por dormentes cheios de cogumelos. Havia os trilhos do desvio, próprio para permitir-se a passagem doutro trem em sentido contrário ou que ali pernoitava.
Pense num medo que as crianças tinham destes cogumelos. Se pisasse neles, nascia uma ferida, uma frieira, se pegasse nele e tocasse a boca, se envenenava.
A partir de cinco da tarde os trilhos ficavam cheio de pequenos grupos de meninos, seja  daqueles que moravam em ruas defronte à linha férrea, seja daqueles que vinham de bairros distantes como a Praça da Matriz, a Rua São José e da Rua Siqueira.
A brincadeira de triângulo consistia no uso de uma pequena haste de ferro com 15 centímetros de comprimento, pontiagudo numa extremidade e virado noutra ponta em forma de alça para servir de suporte.
Desenhava-se um triângulo no chão úmido e, ao lado uma risca. No máximo três jogadores que tinha cada vértice do triângulo como ponto de partida. Iniciava-se a partida aquele que acertasse ou mais se aproximasse da risca. Daí em diante, lançava-se a haste no chão e interligava segmentos riscados no chão partindo-se de cada vértice do triângulo, buscando fechar o percurso dos demais. Perdia a vez o jogador que não conseguisse enfiar a haste no chão no lançamento.
Como não se tinha moedas ou bem menor para se apostar naquele jogo de brincadeira, as orelhas eram colocadas na disputa. Antes do início do jogo, apostava-se quantas chulipas o vencedor podia dar nos demais. Chulipa era deixar a orelha vermelha com uma navalhada do dedo indicador. O que mais interessava além de ver a orelha do amigo vermelha era o barulho que fazia no ato, chuleeepooo!
Terminava-se mais uma vez uma rotina de brincadeiras daquela época……
Voltei então deste cenário distante e vi em minha atividade física matinal como o tempo voa, nem percebi que havia percorrido 8km sem nada ver entorno, nem por quem havia cruzado. Começou a tocar U2.

Reriutaba e meus colegas da Providência

Turma da 2a Série (1o Grau) - Casa da Providência: Descubra quem são:  Tatá, Caneco de Sola, Dibiriu, Calça Azeda, Zefinha, Caveira, Sinsalabim, Magal....Boas lembranças de bons colegas e bons amigos!